A credibilidade dos banqueiros centrais está em jogo, depois de terem ignorado a inflação por muito tempo, a ponto de agora correrem o risco de fracassarem no seu combate.
Embora não seja mais presidente do Federal Reserve, foi o longo serviço da secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, na sucursal do Fed em São Francisco e no Conselho de Governadores, em Washington, que estabeleceu sua reputação de banqueira central circunspecta.
Ela não se saiu tão bem na arena política, e seus comentários de domingo, de que uma recessão não era nem iminente nem inevitável, podem vir a atormentá-la. Um cínico diria que tudo o que ela precisa fazer é expressar algum remorso por ter se equivocado, como o fez no início deste mês, por ter interpretado a inflação erroneamente.
Christopher Waller, governador do Fed, tenta tardiamente recuperar sua própria credibilidade após se juntar à crença geral a respeito da inflação por muito tempo. Ele afirmou que o Fed provavelmente terá que realizar outra elevação de 75 pontos-base em julho, após a surpresa da semana passada. Como afirmou na sábado, em um evento em Dallas:
“O Comitê Federal de Mercado Aberto deu mais um passo importante no sentido de atingir seu objetivo de inflação, ao elevar as taxas de juros em 75 pontos-base. Se os dados vierem como eu espero, vou apoiar um movimento da mesma magnitude em nossa reunião de julho. O Fed está totalmente comprometido em restabelecer a estabilidade dos preços”.
A credibilidade do presidente do Fed, Jerome Powell, ficou bastante abalada por ter defendido, inicialmente, que a inflação era transitória e insistido, no mês passado, que uma elevação de 75 pontos-base não seria necessária e não estava sendo considerada pelos formuladores da política monetária.
Da mesma forma que o presidente Joe Biden passou a batata quente da inflação para Powell, o chairman do Fed transferiu a responsabilidade para “forças externas” e “fatores que não controlamos”.
Isso mostra que o consenso entre as autoridades monetárias dos EUA é que a culpa não é sua.
Mas não é assim que as coisas funcionam. Basta perguntar a Arthur Burns, presidente do Fed que iniciou um longo período de inflação nos anos 1970, e defendeu, durante todo esse período, que a inflação estava fora do controle do banco central americano. Mas a história o fez ganhar a má reputação de ter gerado a inflação.
Como escreveu Robert Hetzel, economista do Fed de Richmond, em uma análise da política de Burns em 1998:
“Burns conduziu a política monetária com base na ideia de que o nível de preços era um fenômeno não monetário. O Congresso, o governo, a opinião pública e a maior parte dos economistas respaldaram essa política. O resultado foi a inflação. Isso acabou levando ao atual consenso de que o controle da inflação é a responsabilidade mais importante do banco central”.
BCE precipitadamente propõe uma nova arbitragem de títulos soberanos
Na Europa, o conselho dirigente do Banco Central Europeu demorou a perceber que o aperto da política monetária poderia provocar uma divergência maior nas taxas dos títulos governamentais, criando uma fragmentação entre os membros do euro e ampliando o diferencial entre os países mais fracos e mais fortes.
Na semana passada, o BCE acionou o botão de pânico e realizou uma reunião de política monetária emergencial na quarta-feira. Os fundos recebidos após o vencimento dos títulos do programa de compras emergenciais na pandemia serão reinvestidos em papéis da Itália e de outros países altamente endividados, anunciou a instituição, ao mesmo tempo em que os magos do BCE acelerarão as propostas de um novo programa de aquisição de ativos para respaldar os países mais fracos.
Um desses planos envolve a venda de títulos de países fortes, como os da Alemanha, para comprar papéis de países com a Itália, sem recorrer ao aperto quantitativo considerado necessário para conter a inflação. Essa arbitragem pode ser anunciada na reunião de política monetária do BCE em julho.
No entanto, Olli Rehn, presidente do Banco Central da Finlândia conhecido por expressar abertamente suas opiniões, alertou que, embora o BCE pudesse limitar a elevação das taxas para grandes devedores da zona do euro, isso poderia não resolver seus problemas orçamentários.
Em um evento do Fed de Dallas, Rehn lembrou a todos que o BCE possui um instrumento chamado Transações Monetárias Diretas para resgatar países membros, o qual nunca foi usado, porque exige a realização de duras reformas.
Em todo caso, Rehn afirmou que o BCE está comprometido em preservar a independência do banco central e não deixará que políticos ditem sua política monetária:
“Embora a interação monetário-fiscal seja uma característica básica de coordenação política em uma união monetária, como a zona do euro, ela não pode ir de encontro com a independência dos bancos centrais. Estamos totalmente comprometidos em evitar a dominância fiscal ou financeira. Todas as nossas medidas serão tomadas com base em nosso mandato, que é salvaguardar a estabilidade de preços, em linha com nossos objetivos de política monetária”.
Rehn tem plena ciência, entretanto, de que alguns dos 25 integrantes do conselho dirigente não estão tão comprometidos com uma política monetária independente.