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Os Duelistas e o Brasil Pós-Previdência: Dia Histórico ao Começo das Reformas

Publicado 23.10.2019, 11:27
MGLU3
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O Brasil já quase aprovou uma ampla reforma da Previdência, com idade mínima para aposentadoria, várias vezes.

Como muito bem lembrou Paulo Tafner em coluna da Folha hoje, já nos anos 1980, Francisco Barreto e Kaizô Beltrão já alertavam para o risco de colapso do nosso sistema previdenciário. Em 1990, o governo Collor propôs mudanças nas regras, para logo arquivá-las. Em 1993, tivemos a boa Emenda Constitucional (EC) número 3, em prol da necessidade de contribuição dos servidores civis para custeio de suas aposentadorias e pensões, mas ainda não era algo amplo e profundo, capaz de endereçar o problema em sua total dimensão. Um pouco mais abrangente era a Emenda Constitucional número 20, de 1998 — faltou apenas um voto, com o erro do ex-ministro Antonio Kandir ao apertar o danado do botão, para aprovarmos a idade mínima. Coisas do Brasil… Então, tivemos um bom aprimoramento das regras para os servidores públicos na EC número 41, em 2003, com previsão de previdência complementar, fixação de alíquota mínima para os regimes próprios e determinação de obrigatoriedade de equacionamento do passivo previdenciário.

Até mesmo Dilma Rousseff — pasmem! — admitiu publicamente a necessidade de reformar nossa Previdência. Há um nível de simplicidade algébrica que até mesmo a ex-presidente consegue entender. Na sequência, veio a proposta ampla do governo Temer, que talvez tivesse sido aprovada não fosse o Joesleygate. Coisas do Brasil, o país onde os eventos raros acontecem toda semana, onde o bando de cisnes negros passa férias tipicamente macunaímicas, naquele restinho de ano de janeiro a dezembro.

Deixe-me falar uma coisa sobre essa história de “quase”. Eu entendo os eufemismos, as tentativas de se justificar, os tapinhas nas costas e os “veja bem” típicos das explicações vazias. A esta altura do campeonato, eu juro que entendo. Mas o “quase” tem um único significado. Ele quer dizer apenas e tão somente “não”. Nada além disso.

“Eu quase ganhei o jogo.” Isso quer dizer que você perdeu. Só. “Eu quase comprei Magazine Luiza (SA:MGLU3).” Entendi, você não comprou. “Eu quase bati o CDI.” Ok, seu fundo não está rendendo bem, faz parte, todos vivemos momentos ruins.

Essa ideia não é minha. Ouvi que é uma das defesas principais do Bernardinho, para que suas equipes enfrentem a realidade tal como ela é e não aceitem nada além da obstinação pela vitória. Lembra um pouco (muito, talvez), a argumentação de Ray Dalio em prol da transparência radical. Se você não enfrentar a verdade, para os outros e para si mesmo, não há como progredir, não há como haver meritocracia, não há excelência.

Volto ao essencial. Aprovamos a reforma da Previdência, com idade mínima e economia de cerca de R$ 800 bilhões em dez anos. Ok, faltam dois destaques a serem aprovados. Vamos monitorá-los com a devida diligência e podemos perder alguma potência fiscal aqui, capaz de trazer certa volatilidade aos mercados no curto prazo, em especial depois do rali recente — nada sobe linearmente e sem volatilidade; alguma realização de lucros seria até natural. Mas, me desculpe, isso não é essencial. Tiramos o “quase” da história. Demos uma trajetória convergente para nossa dívida pública. Afastamos o risco de cauda. Pode não ser condição suficiente para endereçar todo nosso problema fiscal e, sozinha, conferir aceleração do crescimento econômico, mas certamente é condição necessária. Encerramos um capítulo da história brasileira ontem à noite. E isso precisa ser comemorado.

Retomo aqui a noção clássica do efeito certeza, das Finanças Comportamentais. O efeito de passarmos de 96% de chance de ocorrência de determinado evento para 98% de chance não é o mesmo que sair de 98% para 100%. O segundo impacto é bem maior. Claro que, do ponto de vista estritamente racional (ao menos naquilo que a teoria econômica entende como estritamente racional), as duas mudanças são rigorosamente as mesmas e, portanto, deveriam ter o mesmo impacto sobre o preço dos ativos. Mas, intuitivamente, conseguimos ter razão. Com 98% de chance de dar certo, ainda temos 2% de probabilidade de incorrermos numa catástrofe. Então, é melhor mesmo esperar a concretização do fato, com a certeza daquilo, e entrar depois, num nível de risco muito menor, ainda que tenhamos de pagar um pouquinho mais caro.

E se você conversar com grandes investidores institucionais brasileiros — isso é parte do meu dia a dia —, verá que alguns deles, inclusive entre os melhores, estavam justamente com esta ideia: “Já estamos razoavelmente grandes em Bolsa e ficaremos ainda maiores quando da aprovação definitiva da reforma da Previdência”. Para o gringo, a superação da questão previdenciária mais a aceleração do crescimento do PIB a partir do quarto trimestre deste ano podem ser justamente a catálise para voltar a considerar Brasil com mais peso em seu portfólio — assumindo, claro, não haver nenhuma hecatombe no horizonte externo.

No detalhe da coisa, você percebe que houve 60 votos favoráveis ao texto-base da Previdência no segundo turno do Senado, contra 56 votos no primeiro turno. Ou seja, a tal “crise do PSL” não parece, ao menos até agora, ter abalado a articulação política em prol das reformas.

A reforma da Previdência é o começo, e não o fim da agenda. Insisto num ponto: as pessoas estão subestimando o tamanho da mudança em curso no Brasil, na dimensão do que pode ser, a partir de 2020, o ciclo de crescimento e de valorização de nossos mercados.

Para termos efetivamente crescimento sustentável, precisamos adentrar a esfera micro. Mas isso era impossível porque não conseguíamos superar o problema macro com uma trajetória fiscal explosiva. Matamos o grande monstro e agora vamos nos concentrar no resto. A história do crescimento começa agora. A Previdência é o nosso Day One, não o last day. Note como Paulo Guedes prontamente se apressou em já falar no pacto federativo. Agora vem a mudança na regra de ouro, a reforma administrativa (também subestimada pelo consenso) e depois a tributária. Combine isso com a plataforma ambiciosa que o Salim Mattar vai tocar em concessões e privatizações (vai tudo aqui: saneamento, Eletrobras…) e com a abertura da economia.

Hoje, marcamos um capítulo da história brasileira.

“Ah, mas toda essa dinâmica não poderia ser interrompida pelo julgamento do STF sobre prisões em segunda instância, que possivelmente culminaria na soltura do ex-presidente Lula, com capacidade de aglutinar a esquerda e, quem sabe até, por meio de uma nova mudança na lei, candidatar-se em 2022?”

Nessa história, eu me lembro de “Os Duelistas”, de Joseph Conrad. Sabe, só pode haver duelo quando há disposição mútua de enfrentamento. Se um dos duelistas sai do conflito, o outro morre metaforicamente junto, no mesmo instante. Qualquer protagonista requer um antagonista. Não há filme de herói sem vilão. Na minha visão, quem mais se fortalece com a eventual soltura de Lula é Jair Bolsonaro, que passa a ter um anti-herói clássico para antagonizar. Bolsonaro, em si, isolado, não representa muita coisa. Ele é o produto do antipetismo, da reação contra a corrupção, contra o descaso e, principalmente, contra o establishment. Quando o establishment revisita uma questão cuja consequência é soltar aquele percebido como vilão, alimenta o sentimento contra si mesmo e, assim, dá forças justamente àquele que representa o anti-establishment.

Gostaria de encerrar hoje retomando o assunto de ontem, em que alertava, mais uma vez, para os problemas no apreçamento do crédito privado no Brasil. Sugiro gentilmente a leitura da matéria do Valor, de título “Fundos sofrem com pressão de venda em debênture incentivada”, tratando das cotas negativas para alguns fundos de renda fixa, em particular aqueles de debêntures de infraestrutura. Só um ponto com o qual gostaria de discordar. Ali, sugere-se que o problema das cotas negativas decorre do incentivo de agentes autônomos e gerentes em prol do giro das carteiras de clientes pessoas físicas. Eu mesmo já critiquei várias e várias vezes a estrutura de incentivos torta para gerentes autônomos e gerentes — quem parte e reparte fica com a melhor parte; conflito de interesse óbvio. Aqui, porém, não me parece ser esse o problema. A questão aqui é que havia um problema de preço mesmo. Os spreads estavam muito apertados e justificavam mesmo a troca. Tinha uma minibolha lá, conforme alertado aqui neste espaço algumas vezes, e ela foi desinflada. Ajuste (adequado) de mercado. Nada de erro dos agentes autônomos, não. Ao contrário. Acerto na estratégia, em prol da captura de outros ganhos, em ativos mais atraentes. Talvez agora, com a variação das cotas desses fundos, fique mais clara frase escrita aqui recentemente: “Às atuais cotações, investir em ações está menos arriscado do que em crédito privado”.

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