Planejamento sucessório no agro: Preservando patrimônio rural e a continuidade

O agronegócio brasileiro, motor fundamental da nossa economia, é predominantemente familiar. Com cerca de 90% das propriedades rurais produtivas sob gestão familiar, a longevidade desses empreendimentos se torna um pilar essencial para a segurança alimentar e o desenvolvimento do país. No entanto, uma realidade preocupante se impõe: apenas 30% dessas empresas familiares chegam à segunda geração, e um ínfimo 5% alcança a terceira. Essa alta taxa de mortalidade intergeracional não reflete apenas um problema de gestão, mas um alerta para a urgência de um planejamento sucessório robusto e bem estruturado.

Este artigo, direcionado a produtores rurais e assessores de investimento, desvenda os desafios e as estratégias para garantir que o legado do agronegócio familiar não apenas persista, mas prospere, valorizando o patrimônio e as relações familiares.

Para enriquecer a abordagem deste artigo, contamos com as valiosas contribuições de Rogério Ramos, profissional com mais de 19 anos de experiência na área de planejamento sucessório. Sua atuação se destaca pela expertise em estruturas jurídicas e securitárias voltadas à continuidade patrimonial e à governança de empresas familiares no agronegócio.

Os Desafios Ocultos na Sucessão Familiar

A transição de gerações em um negócio familiar, especialmente no contexto rural, é permeada por desafios que vão além das questões técnicas da produção. Conflitos interpessoais, a relutância do fundador em ceder o controle e a informalidade na gestão são fatores que minam a sustentabilidade do negócio a longo prazo.

Um dos fenômenos mais impactantes é o esvaziamento do campo, com uma diminuição de 33,8% da população rural entre 2000 e 2022. Esse êxodo rural é acompanhado por um crescente desinteresse dos jovens pela atividade agropecuária. Pesquisas indicam que a pouca afinidade com a vida no campo (25%), a atratividade das cidades para investimentos e oportunidades (24%), e a própria relutância da geração atual em ceder o controle (20%) são as principais razões para esse afastamento.

Ilustração 1: O Ciclo Vicioso da Informalidade na Sucessão Familiar Rural

Este ciclo vicioso, como ilustrado acima, demonstra como a informalidade pode catalisar uma série de problemas que culminam na fragilidade da sucessão. Rompê-lo exige um compromisso com a formalização e a implementação de práticas de governança.

Formalização: O Pilar para o Crescimento e a Sucessão Segura

Ainda que muitos produtores rurais operem como Pessoa Física (CPF), a migração para a Pessoa Jurídica (CNPJ) é um passo estratégico fundamental. A informalidade do CPF restringe o acesso a crédito, dificulta a segregação patrimonial e aumenta a percepção de risco para instituições financeiras.

Tabela 1: Comparativo Operação como CPF vs. CNPJ no Agronegócio

A formalização via CNPJ não é meramente uma questão burocrática; ela confere uma identidade legal ao negócio, profissionaliza a gestão, facilita a obtenção de financiamentos e, crucialmente, estrutura o patrimônio para uma sucessão mais fluida e menos onerosa. A "armadilha da informalidade" pode se tornar o calcanhar de Aquiles de um legado familiar promissor.

O Peso dos Impostos na Transição Patrimonial

A sucessão patrimonial no agronegócio está intrinsecamente ligada à carga tributária, que pode corroer significativamente o valor do legado se não houver um planejamento adequado. O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) se destaca como o principal custo fiscal na sucessão. De competência estadual, suas alíquotas variam de 2% a 8% do valor do bem transmitido.

"É importante observar que o ITCMD varia atualmente de 2% a 8%, e poderá ser impactado por mudanças legislativas iminentes. A Emenda Constitucional nº 132/2023 autorizou a progressividade das alíquotas, e há projetos de lei que propõem elevar esse teto para até 16%, como o Projeto de Resolução do Senado n. 57/2019." — Rogério Ramos

"A transição patrimonial no agronegócio enfrenta não apenas a carga tributária, mas também o desafio da liquidez imediata para honrar esses compromissos fiscais. O seguro de vida surge como solução estratégica ao garantir recursos no momento crítico da sucessão, preservando ativos e a capacidade produtiva." — Rogério Ramos

Além do ITCMD, outros impostos que merecem atenção incluem:

• ITR (Imposto Territorial Rural): De esfera federal, incide anualmente sobre a propriedade rural, com alíquotas progressivas que variam de 0,03% a 20%.
• FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural): Contribuição social sobre a receita bruta da comercialização da produção, com alíquotas de 1,2% para pessoa física e 1,7% para pessoa jurídica.
• ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis): Municipal, incide sobre transferências onerosas (compra e venda) de imóveis, não sobre heranças ou doações.

Um planejamento fiscal antecipado, com a estruturação de veículos como a holding familiar, pode ser decisivo para otimizar a carga tributária, garantindo que o patrimônio seja preservado e transferido de forma eficiente.

Ilustração 2: Impacto Estimado do ITCMD sobre o Patrimônio (Exemplo para Alíquota de 6%)

A Ascensão da Recuperação Judicial no Agronegócio

O cenário atual do agronegócio brasileiro tem sido marcado por um aumento preocupante nos pedidos de Recuperação Judicial (RJ). Em 2024, houve um salto de 138% nos pedidos de RJ em comparação com 2023, um indicativo claro das pressões financeiras que o setor tem enfrentado.

As principais causas para esse aumento incluem:

• Altas taxas de juros, que encarecem o custeio e os investimentos.
• Elevação dos custos de produção, especialmente de insumos.
• Condições climáticas adversas, resultando em quebras de safra e perdas significativas.
• A ascensão de uma possível "advocacia predatória", incentivando pedidos de RJ.

Para que um produtor rural possa acessar a RJ, a legislação exige requisitos como operar como empresa há mais de dois anos, ter registro na Junta Comercial, e apresentar o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou registros contábeis equivalentes. É crucial ressaltar que a RJ abrange apenas créditos da atividade rural. O processo, embora vise a reestruturação financeira, pode comprometer o acesso a novas linhas de crédito e elevar a percepção de risco do produtor no mercado.

Caminhos para o Sucesso: Profissionalização e Planejamento Estratégico

Diante dos desafios expostos, aprofissionalização da gestão e da governançasurge como a estratégia mais eficaz para garantir a continuidade e o sucesso do agronegócio familiar. Esse processo vai além de uma simples modernização; ele estabelece um novo paradigma de operação, com regras claras, transparência e meritocracia.Pilares da Profissionalização:

• Profissionalização da Gestão:
• Definição clara de papéis, responsabilidades e remuneração, inclusive para membros da família.
• Contratação de profissionais com base na meritocracia, e não apenas no parentesco.
• Separação rigorosa das finanças pessoais e do negócio, fundamental para a formalização (CNPJ).
• Estabelecimento de canais de comunicação formais e estruturas de governança, como conselhos e acordos familiares.
• Ferramentas Legais e Fiscais para a Sucessão:

Holding Familiar Rural:

Estrutura societária que permite centralizar o patrimônio, definir regras de transferência entre gerações, otimizar a gestão dos ativos e minimizar o impacto do ITCMD.

• Testamentos e Doações em Vida: Instrumentos jurídicos que asseguram que a vontade do fundador seja respeitada e podem, inclusive, reduzir a carga tributária futura sobre a herança.
• Acordos Societários e de Família: Documentos que estabelecem diretrizes claras para os direitos, deveres e processos de tomada de decisão entre os herdeiros e participantes do negócio.

"O seguro de sócios, em estruturas conhecidas como ’buy-sell agreements’, permite que a empresa adquira a participação do sócio falecido ao final do inventário. Com isso, evita-se que herdeiros sem afinidade com o negócio se tornem sócios involuntários, protegendo a operação rural e sua continuidade." —Rogério Ramos

• Assessoria Especializada Multidisciplinar: Um planejamento sucessório eficaz não pode ser feito isoladamente. A atuação conjunta de profissionais de diferentes áreas é essencial:

   

   

  • Jurídica: Para garantir a segurança legal das estruturas, a correta transferência de ativos e a conformidade com a legislação.
  • Contábil: Crucial para a organização dos dados financeiros, o planejamento tributário e a conformidade fiscal, elementos vitais para o acesso a crédito e, em casos extremos, à recuperação judicial.
  • Financeira (Assessor de Investimentos - AAI): Desempenha um papel catalisador na organização financeira do negócio, na gestão de dívidas e na otimização de investimentos. O AAI pode garantir a liquidez necessária para cobrir impostos sucessórios e assegurar a saúde financeira durante a transição, tornando-se um parceiro estratégico para a perenidade do negócio.

"A atuação do corretor de seguros, habilitado pela SUSEP, é essencial no planejamento sucessório. Cabe a esse profissional dimensionar os capitais segurados necessários, avaliar a elegibilidade e garantir que a liquidez sucessória ocorra sem comprometer a estrutura financeira da empresa rural." — Rogério Ramos

Planejar é Preservar o Legado

O planejamento sucessório no agronegócio não é uma opção, mas um imperativo estratégico. Ele é a ponte entre a tradição e a inovação, entre o legado do fundador e o futuro das novas gerações. Ao investir em formalização, profissionalização e assessoria especializada, produtores rurais e suas famílias não apenas blindam seu patrimônio, mas fortalecem as bases para um crescimento sustentável, assegurando que o motor do agronegócio brasileiro continue a girar com vigor por muitas gerações.

Você já iniciou o diálogo sobre o planejamento sucessório em sua propriedade?

Agradeço ao especialista Rogério Ramos pelas generosas contribuições técnicas que enriqueceram este artigo. Sua visão prática e aprofundada sobre os aspectos securitários e sucessórios no contexto do agronegócio familiar é um exemplo de como o diálogo multidisciplinar fortalece soluções para desafios complexos.