Oito dias após o chamado “Dia da Libertação”, o presidente Donald Trump anunciou a redução das tarifas recíprocas para uma alíquota-base de 10% em 60 países que estavam sujeitos a taxas mais elevadas. A suspensão será válida por 90 dias, com o objetivo de abrir espaço para negociações. Ao mesmo tempo, Trump usou as redes sociais para informar que elevou imediatamente para 125% as tarifas sobre importações da China, justificando a medida pela “falta de respeito que a China tem demonstrado com os mercados globais”.
O lado positivo: crise financeira evitada (pelo menos por enquanto)
Horas antes da reversão parcial na política tarifária, o S&P 500 flertava com território de bear market, enquanto os EUA enfrentavam o risco de uma crise com características de emergente: queda simultânea das ações, dos títulos públicos e do dólar.
Apesar de não demonstrar preocupação com o mercado acionário no curto prazo, o risco de uma crise no mercado de títulos parece ter feito Trump reconsiderar sua posição. O anúncio de suspensão temporária das tarifas impulsionou uma das maiores altas diárias já registradas nas bolsas, com alívio também nos rendimentos dos Treasuries.
O cenário de colapso completo no mercado foi evitado, por ora.
Outro ponto positivo é que boa parte das tarifas, por enquanto, foi “recolocada na caixa”. Trump agora sabe que, ao reabrir essa caixa, corre o risco de deflagrar nova queda acentuada nos mercados. Por isso, é provável que as tarifas sobre países que não sejam a China fiquem fora do foco no curto prazo.
O lado negativo: volatilidade extrema e imprevisibilidade afetam decisões econômicas
O dia começou com investidores tentando entender os riscos de desmontagem de operações de arbitragem por hedge funds bilionários. Poucas horas depois, o Dow Jones teve a maior alta em cinco anos. Embora o recuo de Trump traga alívio, os danos técnicos aos mercados já estão feitos, o que torna improvável uma recuperação em “V” dos ativos de risco.
Nas empresas, o clima também é de incerteza máxima. CEOs e CFOs encontram dificuldade em definir planos de investimento, contratações ou fusões e aquisições. Isso terá reflexos no mercado de trabalho e no crescimento global.
Apesar do recuo nas tarifas globais, o impacto financeiro líquido permanece elevado. Segundo a Strategas, mesmo com a redução anunciada, o volume total de tarifas segue próximo de US$ 490 bilhões, uma vez que o aumento direcionado à China (US$ 275 bilhões) compensa boa parte da queda (US$ 158 bilhões).
Na prática, os EUA enfrentam o equivalente ao maior aumento de impostos dos últimos 50 anos. Ainda que cortes de tributos para empresas e pessoas físicas possam compensar parte disso, os efeitos sobre a economia permanecem incertos.
Mesmo após a reviravolta de ontem, estamos lidando com o maior nível tarifário desde os anos 1930. Embora não se espere uma recessão nos EUA neste ano, a expectativa é de desaceleração econômica e pressão adicional sobre a inflação.
Tudo isso influencia diretamente o prêmio de risco exigido pelos investidores. Embora não vejamos um bear market prolongado, é provável que a volatilidade permaneça elevada e que o processo de estabilização leve algum tempo.
O lado mais preocupante: foco total na China
Em poucas horas, a postura da Casa Branca passou de uma guerra comercial contra todos para uma ofensiva concentrada na China. A manutenção da tarifa de 125% sobre produtos chineses, enquanto as demais são reduzidas para 10%, escancara que o embate é essencialmente bilateral.
O antigo equilíbrio geopolítico, China exportando produtos baratos e reciclando dólares via Treasuries, está definitivamente rompido, sem incentivos claros para sua restauração.
A China será diretamente impactada. O superávit comercial de US$ 300 bilhões com os EUA, antes visto como força, pode se transformar em vulnerabilidade. A retração no comércio com os EUA deve provocar uma queda entre 1% e 2% no PIB chinês, segundo a Gavekal. Pequim já começou a intensificar estímulos para conter os danos.
Por outro lado, os EUA também serão afetados. A indústria americana ainda depende mais da China do que o contrário.
Conclusões para os investidores
Trump aplica uma espécie de “terapia de choque” na economia dos EUA. Primeiro, cortou estímulos fiscais, buscou reduzir déficits e promoveu desregulamentações em setores como saúde, finanças e habitação. Agora, tenta reequilibrar o déficit comercial, tudo dentro de um movimento mais amplo de reposicionamento estratégico.
Os EUA deixaram de moldar sua política econômica unicamente para estimular crescimento. O objetivo agora é obter vantagem geopolítica, especialmente frente à China.
Por meio de tarifas, ameaças comerciais e pressão sobre aliados, Washington tenta forçar um realinhamento global: “conosco ou contra nós”. Trata-se de uma campanha deliberada para transformar o poder de consumo dos EUA em instrumento de influência global.
Esse novo paradigma gera incerteza estrutural para os mercados. A preocupação já não se resume a juros ou inflação, é o próprio jogo que mudou, e os investidores não conseguem modelar o que virá pela frente.
O mercado está se comportando exatamente como deveria: precificando risco de regime, não apenas risco econômico.
Enquanto não houver clareza, seja por meio de um acordo com a China ou uma estratégia definida por parte dos EUA, a volatilidade tende a persistir. Isso não é um ciclo. É uma mudança de regime. E, por ora, este não é um mercado para se operar agressivamente, é um mercado para sobreviver.
Assim que a poeira baixar, haverá oportunidades. Tendências recentes, como a valorização da DeepSeek, os estímulos fiscais na Europa e na China, e a volta das tarifas recíprocas, reforçam a importância de portfólios diversificados. O novo contexto também favorece a seleção ativa de ações. Modelos de negócios defensivos e empresas com operações localizadas devem se destacar.