Ao que parece, o debate sobre temas econômicos deve permear as discussões nas eleições gerais de 2014. Por estes dias, as críticas de Marina Silva e de Aécio Neves à excessiva flexibilização do tripé de política econômica ganharam destaque.
Realmente, desde o início do governo Dilma, a falta de respeito ao tripé de política econômica vem sendo regra. Num viés mais heterodoxo, no que chamamos de nova matriz macroeconômica, os policy makers do seu governo chegaram a achar ser possível conseguir compatibilizar crescimento, com um pouco mais de inflação, juro mais baixo e câmbio depreciado. Deu no que deu.
A credibilidade do governo caiu na “bacia das almas”, se refletindo no adiamento de investimentos, perda de confiança dos setores da economia, crescimento pífio, piora dos chamados “déficits gêmeos”, dentre outros corolários. Mais recentemente, um pequeno “freio de arrumação” se observou na política monetária do BACEN, tentando retomar a credibilidade (ancorando-a) através de mais controle sobre o combate à inflação e balizamento do juro. Mas será que dá tempo para reverter esta onda de desconfiança e acertar os passos da política econômica ao fim deste ano e ao longo de 2014?
Para responder a isto, e a outras questões, três personagens importantes da história econômica do País, verdadeiras “âncoras de credibilidade” do Plano Real, pronunciaram-se: Gustavo Franco, Armínio Fraga e Henrique Meirelles. O primeiro conduziu um arriscado arranjo de políticas monetária e cambial, controlando a demanda e provocando choques de competitividade na indústria nacional, mesmo que deteriorando as contas externas; o segundo consolidou o tripé do Real, com o lançamento do sistema de metas, e o terceiro, manteve a autonomia do BACEN mesmo com todas as pressões em contrário durante o governo Lula. Em seminário promovido pelo Ibmec e IMIL (I Colóquio de Macrotendências) na quinta-feira passada (dia 17), todos deram importante contribuição a este debate.
Armínio Fraga.
Achou que o governo Lula até começou bem, colocando figuras críveis em postos estratégicos da equipe econômica, como Henrique Meirelles no BACEN. Sua política econômica teve início com fortes estímulos ao consumo, via crédito frouxo e políticas de transferência de renda, mas em algum momento, no segundo mandato, “o modelo começou a ratear”. A economia se tornou mais fechada, as intervenções do Estado aumentaram, tanto pelo uso de estatais, como de bancos públicos, e passou a vigorar um modelo que mais se parecia com o “nacional desenvolvimentismo do governo Geisel nos anos 70”.
Na visão de Fraga, há consenso hoje de que o problema do País, atualmente, é muito mais de oferta do que de demanda. Falta foco na melhoria da eficiência, nos ganhos de produtividade e na educação. Neste caso, não adianta pegar os royalties do pré-sal e jogá-los na educação e na saúde, mas sim saber como usá-los de forma eficiente e organizada. É necessário um Estado alocador ótimo de recursos, não sendo “capturado pelo setor privado”, ou seja, não sendo usado nas “barganhas políticas”. Seria o que muitos chamam de privatização do setor público, com os interesses privados se sobrepondo aos públicos, e estes sendo tomados de assalto pelos políticos e oportunistas.
Para Armínio, este governo é pró-empresa, pela sua política de crédito público, via bancos públicos e BNDES, na eleição de “campeões nacionais”, mas é contrário ao mercado. Isto explica porque estarmos mal na foto, com variadas avaliações negativas do Banco Mundial (Doing Business), da OCDE, do Indicador de Transparência, dentre outros.
Por fim, acha que o País se encontra numa grande encruzilhada, mas não demanda nenhuma solução mágica. As soluções são simples, estão ao alcance dos gestores, não sendo necessário nada muito radical. Ainda dá tempo para consertar os estragos feitos.
Gustavo Franco.
Foi mais crítico e contundente. Para ele, dois temas têm tirado seu sono: o ataque generalizado à ideia da meritocracia e o “saque contra o futuro”, na crença de que os recursos caem do céu, sempre com tudo se ajustando.
No primeiro, observa uma acomodação dos agentes, com muitos querendo apenas passar no concurso público para terem estabilidade, garantir seus empregos, sem se importar com o risco, com a execução de funções, visto que o mérito não é relevante. O balcão de negócios com o governo é grande, com a grande maioria de empresários querendo algum favor. Com isto, a produtividade acaba afetada, visto que não existe competitividade entre os agentes.
No segundo, “saque contra o futuro”, destaca-se o patamar da dívida bruta do País, próximo a 69% do PIB, aceitável pelo paradigma internacional, usado pelo FMI e OCDE. Como já dito neste espaço, este patamar de dívida é o que deve ser considerado, bem maior do que de outros emergentes, em torno de 35%. Para piorar, são variados os esqueletos fiscais, como da Petrobras, mantida sob controle do governo, e na redução de tarifas de energia elétrica, não contabilizados como dívida. Outro passivo não apurado são as obrigações previdenciárias, uma bomba de efeito retardado para as futuras gerações. Para Franco, “o Brasil está se tornando um país anticapitalista, sacando seu futuro.” Por fim, ele espera que isto seja revertido enquanto há tempo.
Henrique Meirelles.
Afirmou que o governo Lula começou bem com uma política forte de austeridade, permitindo um quadro favorável para a economia. Com isto, um choque de credibilidade foi obtido pelo governo. Pela sua visão, “austeridade funcionou e funciona a médio e longo prazo.” Segundo ele, em claro recado ao seu desafeto Guido Mantega, “intervenções e estímulos do governo, em momentos de crise, podem ser necessários para restabelecer o funcionamento dos mercados, mas é preciso saber a hora de retirar tais estímulos. Isso vale para o caso americano e para o brasileiro também.”
O problema é que estes estímulos e créditos continuam fortes na economia. Lembremos que na gestão Obama, depois de 2008, o governo comprou participação em várias montadoras, como a GM, mas quando elas se recuperaram, tratou de vender estas ações. O governo atuou em momentos de crise, mas depois saiu, deixando que o animal spirits dos empresários voltasse a fluir. Nada mais acertado. Aqui, o setor público atua em políticas fiscais e depois continua nos setores que receberam estímulos.
Sobre o tripé de política econômica.
Por fim, todos os ex-presidentes do BACEN, ao falarem sobre o tripé de política econômica, por eles criado e reforçado, se mostraram preocupados. Armínio Fraga disse que o tripé está sendo rasgado aos poucos. Segundo ele, “estamos vivendo um momento em que BACENs pelo mundo afora largaram suas cartilhas. E, nesse contexto, o Brasil foi escorregando.”
Já Franco disse que o tripé é mais amplo do que o que está descrito. É uma mudança de postura, de cultura, de gestão do governo sobre estas variáveis. Não é só superávit primário na meta, é responsabilidade na gestão fiscal; não é só regime flutuante, é abertura externa, sob câmbio flutuante; não é só inflação no centro do sistema de metas, é a qualidade da moeda (controle da inflação, maior autonomia do BACEN e sistema de metas), gerando blindagens contra “pressões políticas”. Henrique Meirelles foi mais ameno nas suas críticas, destacando pontos positivos do País, como os avanços institucionais e o equilíbrio dos poderes numa democracia consolidada, evitando assim que contratos sejam rasgados.
Outro sopro de otimismo, além dos avanços institucionais, é o de que hoje os debates são mais microeconômicos, setoriais, ligados à segurança pública, à educação, à saúde, e menos macroeconômicos, pautados no combate à inflação e nos arranjos de política macroeconômica para este objetivo. Sobre estes já existe certo consenso, embora seja importante sempre haver vigilância estreita sobre possíveis “tentações exóticas dos heterodoxos.”
Nada mais salutar. Espero que isto se reflita na disputa de 2014.