Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) -O Ministério de Minas e Energia abriu a consulta pública para prorrogar cerca de 20 contratos de distribuição de energia elétrica que vencem a partir de 2025, um processo que definirá condições para a prestação dos serviços a mais da metade dos consumidores brasileiros em meio à modernização do setor e rediscussão do papel das distribuidoras.
Amplamente aguardadas, as diretrizes propostas pelo poder concedente vieram mais ou menos alinhadas às expectativas, com um viés mais "pró-consumidor" e avanços no sentido de adequar os contratos das distribuidoras ao cenário de abertura do mercado livre a mais consumidores, avaliaram analistas e agentes do setor.
Como o processo de renovação dos contratos não prevê novas licitações ou pagamentos de bônus de outorga, o governo sugeriu investigar se as concessões atuais possuem "excedentes econômicos" que poderiam ser transferidos aos consumidores, como forma de beneficiá-los.
Esses recursos eventualmente auferidos seriam direcionados, por exemplo, às "contrapartidas sociais" em eficiência energética, uma proposta que já vinha sendo alardeada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Segundo o JP Morgan, o mercado já esperava que o processo acabasse impondo algum custo, então a proposta de captura do "excesso econômico" não deve surgir como uma surpresa.
"A expectativa é que após o período de contribuição (na consulta pública), as regras finais acabarão sendo mais benignas. E, por não serem disruptivas, podem levar à redução de risco das ações de empresas de distribuição/integradas", avaliou o banco.
A associação das distribuidoras Abradee também avaliou, em uma primeira leitura, que as regras propostas não trouxeram nenhuma grande mudança em relação ao modelo que é praticado hoje, o que foi considerado como positivo.
Segundo o presidente da Abradee, Marcos Madureira, as distribuidoras não têm ganhos adicionais e que sejam excedentes, uma vez que a própria regulação já estabelece uma avaliação periódica disso, assegurando que eventuais ganhos sejam revertidos aos consumidores via revisões tarifárias.
"Vamos procurar demonstrar isso (na contribuição à consulta pública)", disse Madureira.
Ainda segundo o presidente da Abradee, há tempo hábil para que as regras sejam definidas no segundo semestre, para que os contratos possam ser assinados pelas empresas até o fim deste ano.
Ao todo, a consulta deve contemplar 20 distribuidoras com contratos vencendo entre 2025 e 2031, pertencentes a grandes grupos como CPFL Energia (BVMF:CPFE3), Equatorial (BVMF:EQTL3), Energisa (BVMF:ENGI11), Neoenergia (BVMF:NEOE3) e Enel (BIT:ENEI).
Essas concessionárias abrangem 54% do volume de energia distribuído no Brasil e concentram uma base total de ativos regulatórios da ordem de 130 bilhões de reais.
As condições para a renovação contratual são importantes para que as empresas tenham clareza sobre o futuro de seus negócios e consigam financiar seus pesados programas de investimentos em distribuição, uma atividade que é intensiva em mão de obra e demanda aportes recorrentes em infraestrutura.
O NOVO CONTRATO
O governo propôs que o novo contrato de concessão siga alguns critérios já adotados para distribuidoras que passaram por renovação em 2015, como a troca do indexador de inflação do IGP-M para o IPCA nos reajustes tarifários anuais.
Mas, buscando adequação com o novo papel das distribuidoras, bem como maior flexibilidade para exploração de novos modelos de negócios, foram propostas cláusulas adicionais.
Uma das diretrizes diz respeito à autorização para que o concessionário ofereça novos serviços aos consumidores, "por sua conta e risco", que favoreçam a modicidade tarifária de forma a estimular a atuação das distribuidoras, diante de um crescente mercado livre de energia, que tem reduzido a demanda no segmento regulado.
Em uma primeira análise, a proposta foi vista com bons olhos pela Abraceel, associação que representa os comercializadores de energia.
"Vemos na nota técnica aparecer a palavra 'concorrência' algumas vezes, vemos serem tratados alguns temas absolutamente alinhados com a modernização, destacando a separação fio-energia... a digitalização (de redes e medição)", afirmou Rodrigo Ferreira, presidente da entidade.
"Estamos partindo para um mercado em que o consumidor vai poder participar de forma mais ativa, escolhendo e sendo árbitro da compra de energia. A nota técnica prepara o segmento de distribuição para um mercado mais moderno e livre, isso é comemorável", acrescentou.
SEM DISTINÇÃO
Um dos primeiros contratos a vencer nos próximos anos é o da Light (BVMF:LIGT3). A distribuidora fluminense enfrenta grave problema financeiro e dificuldades operacionais particulares, como furtos de energia e inadimplência nas chamadas Áreas de Severas Restrições à Operação (ASRO), o que levou a holding controladora a entrar em recuperação judicial.
Nesse contexto, a empresa entende que as particularidades de sua área de concessão merecem tratamento diferenciado no processo de renovação.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, o Ministério de Minas e Energia afirma que as regras para renovação contratual irão valer para todas as distribuidoras, "não havendo tratamento especial para qualquer concessionária".
No entanto, o ministro já chegou a afirmar que o governo não iria tratar "os diferentes como iguais", em uma sinalização favorável ao pleito da Light.
(Por Letícia Fucuchima; com reportagem adicional de Gabriel Araujo e Roberto Samora)