Por Gustavo Bonato
SÃO PAULO (Reuters) - Diante de uma colheita gigante a caminho e preços em queda, o mercado de grãos do Brasil se prepara para meses turbulentos à frente, com vendas travadas e crescentes incertezas, que incluem dúvidas sobre a expectativa de exportações de milho do Brasil.
A situação em 2017 é completamente oposta à de 2016, quando o mercado foi impactado por fortes exportações na temporada anterior e por uma quebra de safra que tornaram o milho um dos produtos agrícolas mais cobiçados no mercado, com preços recordes.
O Brasil deverá colher uma safra recorde de milho na atual temporada 2016/17, de mais de 93 milhões de toneladas, com uma colheita de inverno de 63 milhões de toneladas, segundo uma pesquisa recente da Reuters, o que representaria uma alta de 40 por cento ante o total colhido em 2015/16.
Já as exportações do ano agrícola 2016/17 --que em geral são contabilizadas no ano comercial entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2018-- estão previstas em 28,5 milhões de toneladas, segundo a média de sete estimativas consultadas pela Reuters.
Se confirmada a previsão, este será o segundo maior volume da história, atrás apenas do ano-safra 2014/15 (exportações entre fevereiro 2015/janeiro 2016), que totalizou 30,2 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
"Contudo, com o câmbio no atual patamar, não estamos competitivos (no mercado internacional). Os preços continuam sendo pressionados... e o produtor vai tentar ao máximo segurar seu milho. Esse número (de exportação) é factível, mas pode não ser realizado", disse a analista de grãos da INTL FCStone Ana Luiza Lodi, que projeta atualmente exportações de 28 milhões de toneladas.
Os preços do milho no mercado doméstico acumulam perdas de mais de 40 por cento em 12 meses, o que tem retraído as vendas de produtores.
Em Mato Grosso, principal produtor nacional do grão, as vendas da safra de inverno, que será colhida no fim deste mês, atingiram 43 por cento em abril, ante 82 por cento no mesmo período do ano passado.
"Faz uns dois meses que não tem negócios. Os produtores vão aguardar uma eventual melhora dos preços", disse o corretor Edivan Faliguski, da MT Grãos, que atua na intermediação de negócios entre agricultores e tradings exportadoras na região de Nova Mutum (MT).
O analista Flávio França Júnior, da consultoria França Júnior, estimou a exportação brasileira em 30 milhões de toneladas nesta temporada, mas ressaltou que esta projeção, "apesar do provável espaço (demanda) no mercado internacional, dependeria da fluidez da comercialização por parte dos produtores brasileiros em 2017".
A expectativa dos agentes do mercado é de negociações difíceis com os produtores nos próximos meses, especialmente quando os grãos da safra de inverno estiverem disponíveis no mercado, pressionando ainda mais os preços.
"Vai ser uma safra frustrada, não por produção, mas por preço", disse Faliguski, preparando-se para enfrentar o mau humor dos vendedores.
"A soja, por ter sido comercializada anteriormente, pegou preços ainda bem altos. Mas a safrinha de milho pega quase todo seu volume já no patamar de preços de hoje, com baixa remuneração", comentou um trader sênior de uma corretora de São Paulo.
LEILÕES DO GOVERNO
Outro fator que causa incerteza sobre as condições do mercado de milho nos próximos meses é o efeito que terão os leilões de subvenção programados pelo governo, que tenta garantir um preço mínimo remunerador aos produtores.
Os leilões começaram nesta quinta-feira, com resultados mistos. Na oferta de prêmios pagos aos produtores (Pepro), totalizando 200 mil toneladas, houve negociação de 82 por cento dos contratos. Já na oferta de prêmios para incentivar os compradores (Pep), houve negócios só para 9,6 por cento das 200 mil toneladas relacionadas.
"Precisamos ver a composição de preço para permitir isso (grande volume) ser escoado e como o governo vai incentivar. Vai ter bastante leilão do governo", disse o trader sênior, apostando em alguma sustentação ao mercado por meio das operações da Conab. Tais programas, em geral, dão fôlego à exportação.
CENÁRIO OTIMISTA
O Brasil enfrentou, em anos anteriores, gargalos nos portos exportadores, com o milho disputando espaço nos canais de escoamento com a soja, que tem melhores preços e é mais rentável à cadeia produtiva.
A divisão de embarques fortes de soja no primeiro semestre e foco para o milho no segundo semestre deve se repetir nesta safra, mas sem grandes conflitos na infraestrutura portuária, que ganhou reforço de diversos terminais nos últimos três anos.
O Brasil embarcou em abril um volume recorde de soja, de 10,4 milhões de toneladas e já exportou, no acumulado dos quatro primeiros meses, cerca de 40 por cento do volume total esperado para toda a temporada.
"Deve sobrar bem menos soja para exportar no segundo semestre", disse o analista Enilson Nogueira, da consultoria Céleres, indicando que isso liberaria espaço para o milho.
Já o analista Lucas Brunetti, do Banco Pine (SA:PINE4), aponta um cenário em que as exportações de milho poderiam surpreender positivamente em função das lentas vendas de soja no mercado físico --os recordes de embarques da oleaginosa registrados em abril foram efetivados com negócios feitos anteriormente.
Segundo Brunetti, os atuais preços da soja, que também estão relativamente baixos, poderiam levar alguns produtores a deixar a oleaginosa nos armazéns. Sendo assim, disse o analista, eles optariam por vender o milho que será colhido na segunda safra, impulsionando eventualmente as exportações do cereal em detrimento da soja.
"Por ser a soja um produto preferido do produtor, como ela tem maior valor e liquidez que o milho, acho que ele prefere guardar uma tonelada de soja, que vale mais, do que uma tonelada de milho", disse ele, lembrando que a soja já está nos armazéns, e o milho, por falta de espaço, poderia ser vendido diretamente.
Pela análise de Brunetti, isso poderia resultar em exportações de milho maiores que as projetadas, enquanto os embarques de soja ficariam menores que os esperados.
Segundo ele, neste cenário, a exportação da soja este ano ficaria mais perto de 56 milhões a 58 milhões de toneladas, ante 62 milhões de toneladas previstas por alguns. E as exportações de milho poderiam ficar cerca de 5 milhões de toneladas acima das expectativas atuais, de mais de 28 milhões de toneladas, eventualmente marcando um novo recorde.
Colaborariam para impulsionar as exportações de milho os leilões do governo iniciados nesta quinta-feira.
(Com reportagem adicional de Roberto Samora)