Por Jessica Bahia Melo
Investing.com - Após um início de ano de alta volatilidade nas commodities agrícolas e energéticas, o segundo semestre passou por uma normalização nos preços, mas algumas produções podem ter cotações ainda alavancadas no ano que vem, segundo especialistas consultados pelo Investing.com, que apontaram os fatores que impactaram as principais pautas de exportações brasileiras e quais podem afetar os mercados no ano que vem.
LEIA MAIS: As fortalezas do Brasil frente a outros emergentes em 2023, segundo Margato, da XP
Petróleo
Com preços em disparada neste ano devido à crise energética gerada pela invasão na Ucrânia, as cotações tiveram grandes oscilações durante o período, levando países a adotarem estratégias para frear a alta inflacionária. Enquanto isso, empresas que exploram essa commodity registraram lucros recordes, entre elas a estatal brasileira Petrobras (BVMF:PETR4) (NYSE:PBR).
Heitor Paiva, analista de Energia e Macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets, aponta que a escalada energética fez com que países, principalmente europeus, começassem a buscar formas de se blindar ou encontrar ofertas diferentes de petróleo e gás que não sejam da Rússia, ou com maior uso do GNL.
“Por mais que a Rússia tenha conseguido parcialmente compensar a perda de fluxo de petróleo para Europa enviando para a Índia, essa guerra tem um potencial muito positivo para preço a longo prazo porque ela fez com que a Rússia tivesse mais dificuldade em ter acesso, por exemplo, à tecnologia ocidental”, destaca Paiva.
O especialista aponta também como fator importante para os mercados neste ano o uso das reservas estatais de petróleo nos Estados Unidos para tentar moderar a escalada, levando as reservas a indicadores mínimos.
Enquanto 2022 foi um ano de perda de oferta, o próximo ano trará dois aspectos conflitantes: uma possível recessão, diante de uma falta da commodity no mercado. “Desde que a União Europeia colocou o teto no preço do petróleo, estamos vendo o fluxo de exportação da Rússia cair”, completa Paiva.
LEIA MAIS: 6 lições que os investidores podem tirar do mercado petrolífero em 2022
Minério de ferro
Como o minério de ferro está relacionado ao ciclo econômico da China, Paiva lembra que o principal motivo para a queda nas cotações em 2022 foi a perda de fôlego na economia chinesa, que resolveu aplicar uma política rígida de covid-zero, além de medidas para diminuir a especulação imobiliária.
O gestor de risco de crédito que atua no setor de commodities conhecido como Alex Economista avalia que o desempenho da economia da China está intimamente ligado à demanda, enquanto a Austrália é o foco na oferta, representando mais de 50% das exportações. No segundo lugar, fica o Brasil. “A oscilação no primeiro trimestre é muito comum porque a ponta de oferta cai bastante, exatamente pelos períodos de chuva, principalmente na Austrália e no Brasil, o que reduz praticamente a oferta e naturalmente os traders acabam comprando mais minério de ferro, se antecipam”.
A reabertura traz otimismo, segundo Paiva, ainda que ela ocorra de forma gradual, mas o desafio é que o gigante asiático consiga fazer o setor de construção civil voltar a crescer.
“Então por mais que a gente tenha visto um minério em Singapura subindo bastante ultimamente, acho que o mercado tem que entender que o principal demandante do minério de ferro é o setor imobiliário da China, que ainda não está bem em termos econômicos. Ainda existem muitos desafios tanto do lado da demanda quanto da oferta”, pondera.
Neste cenário, o Brasil está entre os maiores produtores de minério de ferro do mundo, com destaque para a Vale (BVMF:VALE3) (NYSE:VALE), que é a líder global. A companhia deve terminar este ano com produção de 310 milhões de toneladas, e a projeção é de que no ano que vem os números estejam nessa linha.
Soja
Após dois anos de problemas na produção de soja, causando quebras de safras, com redução de 20 milhões de toneladas somente no Brasil, as projeções para o ano que vem são mais otimistas, segundo Alê Delara, sócio-diretor da corretora Pine Agronegócios. O resultado do ano passado foi prejudicado pelo fenômeno La Niña, que comprometeu os ganhos da agricultura. A expectativa no Brasil para este ano era de 144 milhões de toneladas, mas ficou em torno de 128 milhões.
Nos EUA, clima continua atrapalhando para a próxima safra, assim como a Argentina enfrenta problemas graves, até com paralisação devido ao déficit hídrico. A situação é, entretanto, diferente no Brasil. “O clima do Rio Grande do Sul para cima foi excelente. Um pouco a mais de chuva no Paraná, mas nada que chegue a atrapalhar”. A safra deve ser colhida nas próximas semanas. A projeção é que o Brasil produza pelo menos 150 milhões de toneladas.
Com essa dinâmica, Alê Delara acredita que os derivativos na bolsa de Chicago devem ficar sustentados com viés de alta, diante de uma safra global menor. No entanto, apesar da cotação internacional valorizada, a safra recorde brasileira pode resultar em preços menores no mercado local.
Café
O café apresentou uma alta forte nos preços neste ano, com risco climático também devido ao La Niña, com geadas atrapalhando a safra de Paraná, São Paulo, entre outros estados. O preço do café brasileiro disparou, mas no final do ano houve uma normalização. “Tivemos um clima muito bom nesta safra na florada, na pós-florada também, mas agora o pegamento não está da melhor forma. Então as expectativas iniciais já começam a ser reduzidas. A nossa expectativa é uma produção em torno de 54 milhões de sacas, sendo 32 a 36 milhões de café arábica”, detalha Delara, que aponta que as cotações podem ter chegado a um fundo, com chance alta de começarem a subir em março, quando começa a colheita do robusta no Brasil. O principal indicador técnico apontado pelo especialista é a inversão na curva de futuros.
Milho
A produção de milho também sofreu no ano passado, ainda com impacto da La Niña, enquanto na safrinha no ano anterior, já havia quebra de 30%. A última safra de inverno exportada agora veio recorde, com ajuda do clima. “Globalmente, foi sorte o Brasil ter essa safra. Os Estados Unidos tiveram problemas que diminuíram os estoques, mas neste ano, com o custo de produção, a área foi reduzida”, avalia Delara. No primeiro semestre, a produção brasileira foi voltada ao mercado doméstico, enquanto no segundo, para o internacional. O Brasil deve exportar entre 44 e 45 milhões de toneladas nesta temporada que termina em janeiro, um recorde e já tem entendimento com a China para aumentos nos embarques. A segunda safra brasileira começa a ser plantada em fevereiro, com projeção de 96 milhões de toneladas. A Argentina, que é um dos maiores exportadores, na contrapartida, pode enfrentar uma quebra entre 50% e 80%. O especialista enxerga um cenário global apertado para o milho e o Brasil deve ser o segundo maior fornecedor global, com tendência de preços em alta, principalmente a partir de fevereiro.
Açúcar
A cultura do açúcar também foi atingida pelas geadas do meio do ano passado, o que reduziu a produção. Mesmo assim, o Brasil conseguiu ter um volume de exportação muito grande, mas perdeu o primeiro lugar para a Índia quanto a exportações, lembra Delara.
“Como o petróleo subiu bastante, acabou afetando o preço da gasolina que puxou o preço do etanol e o combustível durante boa parte do desse ano de 2022 foi mais competitivo do que a gasolina. Então essa redução na oferta de açúcar puxou os preços no próximo ano. A gente deve ter uma oferta maior, mas isso no médio prazo. Nesse curto prazo, como nós já entramos na entressafra, a oferta é apertada”, reforça.
O especialista ressalta que a Índia apresentou uma cota de exportação muito menor do que o mercado esperava. A moagem no Brasil inicia em abril, e até lá os preços devem ficar sustentados, segundo Delara.
LEIA MAIS - 2022/23: Mais uma safra de bons resultados econômicos para a cana de açúcar
Boi gordo
A fase do ciclo do boi já indicava mercado em baixa neste ano, com preços médios menores, segundo Hyberville Neto, consultor e diretor da HN Agro e colunista do Investing.com, devido ao aumento do abate de vacas e novilhos. No segundo semestre, quando costuma haver uma valorização, o mercado continuou caindo. “O pecuarista fez mais termo com os frigoríficos, negociando antecipadamente mais gado e isso deu um conforto para a indústria a partir de julho, conseguiu trabalhar com programações de abate mais alongadas e permitir que eles testassem mais o mercado e conseguissem desvalorizar as cotações”. Isso ocorreu devido às dificuldades encontradas no ano passado com a incidência de vaca louca atípica, levando a suspensões em embarques para o mercado asiático.
Com mais negócios neste ano, junto com uma oferta maior, as cotações ficaram pressionadas ao longo do ano, mas ainda em patamares médios superiores a 2021. Enquanto isso, do lado das exportações, o mercado brasileiro bateu recorde em faturamento e os indicadores seguem em bom ritmo para Estados Unidos, ainda que com alguma desaceleração para China.
Para 2023, a expectativa brasileira é de aumento na oferta, com preço do bezerro cedendo. Nos EUA, em ciclo oposto, a projeção é de redução no gado abatido, aumentando os preços para o país americano. Outro player importante, a Austrália também deve aumentar a oferta, mas os abates ainda estão entre os piores níveis em décadas, segundo Neto.
“A gente espera que China siga comprando bem, pois tem aumentado a participação da carne bovina no consumo de proteínas nos últimos anos. Tudo isso começou lá em 2018 quando houve a peste suína africana, com uma lacuna da proteína, fazendo com que aumentassem as importações de outros lugares”, lembra.
O especialista avalia que os Estados Unidos também devem comprar mais carne do Brasil. O mercado americano deve continuar com carne valorizada e a Austrália, que vinha com carne de boi valorizada nos últimos anos, passa por um momento de cotações menores.