Por Jessica Bahia Melo
Investing.com – Em continuidade à série de entrevistas sobre as perspectivas econômicas para 2023, diante de um novo governo eleito, o Investing.com conversou com Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos (BVMF:XPBR31). Segundo Margato, o quarto especialista entrevistado, inflação e juros no Brasil serão os indicadores protagonistas no foco econômico do ano que vem, que também deve ser de retomada das discussões da Reforma Tributária. Em meio à desaceleração global prevista por organismos internacionais, o economista pondera que as flexibilizações da política Covid-zero da China devem ser um impulsionador para os negócios, principalmente commodities.
De acordo com o economista da XP, um arcabouço fiscal crível pode manter expectativas ancoradas e dar espaço para um corte nos juros ainda em 2023. No entanto, não é esse o cenário que a instituição financeira projeta neste momento.
A corretora estima, para 2023, uma inflação anual de 5,4%, Selic mantida no mesmo patamar de hoje, em 13,75%, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1%, dólar em R$ 5,30 e taxa de desemprego em 8,5%, com a desocupação aumentando devido à política monetária contracionista.
Confira abaixo a entrevista do Investing.com com Margato:
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Investing.com – Quais os dados econômicos mais preocupantes que devem ser foco de atenção do governo eleito, na visão da XP?
Rodolfo Margato – Olhando para 2023, os mercados e os agentes econômicos, de forma geral, estão preocupados especialmente com a dinâmica de inflação e juros. Temos visto muita discussão a respeito da condução de política econômica do novo governo, especialmente no que tange à política fiscal. Tivemos recentemente a aprovação da PEC da Transição, um aumento de gastos significativo e aqui uma das grandes discussões tem a ver com o impacto potencial da política fiscal expansionista sobre expectativas de inflação e juros.
Então, elencaria essas duas variáveis com protagonismo ao longo de 2023. No período mais recente, na margem como dizemos, temos percebido alguns sinais de alívio na inflação brasileira para além das medidas de cortes tributários que nós observamos em meados de 2022.
A maioria dos grupos de preços vem mostrando uma tendência de queda. Em alguns casos, mais acentuada. Em outros, de uma forma mais suave, mais tímida. Mas, de forma geral, temos percebido alguns sinais de alívio no campo inflacionário.
Inv.com - Qual é a projeção de inflação para 2022 e 2023?
Margato - Projetamos uma alta do IPCA este ano de 5,8%, depois de um salto de 10,1% em 2021 e temos percebido uma descompressão importante em bens industrializados. Isso tem a ver com uma acomodação nos preços internacionais das commodities, com a redução nos chamados gargalos de cadeias de insumo, de cadeias globais de produção. Então temos alguns sinais de descompressão em preços industrializados, também em alimentos e mesmo aqueles preços que despertam maior preocupação no Banco Central, também no mercado: os preços de serviços, que são mais sensíveis ao ciclo econômico e à política econômica. A inflação de serviços também começa a mostrar sinais de alívio, mesmo que incipientes.
Então, nós temos observado alguns elementos de desinflação externa, em certa medida, também um recuo da inflação no Brasil, mas partindo de patamares elevados. Então, a nossa projeção é 5,4% ao final do ano que vem, considerando uma premissa de reoneração de combustíveis dos tributos federais, PIS/Cofins, incidentes nos combustíveis que estão zerados e ficarão até 2022. Em caso de manutenção de desoneração, seria um IPCA um pouco abaixo de 5%, em 4,9%. De qualquer forma, temos discutido elementos que podem pressionar a inflação no ano que vem, mas acho que o grande tema conectado aqui à política fiscal, a incertezas que estão no radar, tem a ver com expectativa de inflação a médio prazo.
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Inv.com - Por que?
Margato - Por exemplo, uma política fiscal que se mostre mais expansionista, que aumente o grau de incerteza dos agentes econômicos em termos de sustentabilidade da dívida pública a médio e longo prazo, essa percepção pode pesar sobre expectativas de inflação mais longas. Quando a gente olha para 2024, por exemplo no Boletim Focus do Banco Central, o IPCA projetado na mediana de expectativas está 3,5% contra uma meta de 3%, mas já existe há algumas semanas esse descolamento de meio ponto percentual e não houve uma alteração no período mais recente, mesmo com todas as discussões fiscais.
Então, quando a gente olha para 2023, alguns cenários são possíveis. Se a gente trabalhar com uma sinalização de um arcabouço fiscal crível da parte do governo eleito, isso pode manter expectativas de inflação ancoradas, talvez abrir espaço para o Banco Central cortar juros ainda em 2023. Agora, se nós observarmos sinais de uma política fiscal expansionista, com dúvidas sobre o arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos, pode haver um comportamento mais preocupante das expectativas de inflação mais longas, por exemplo, a partir de 2024. E, neste cenário, as taxas de juros ficariam estáveis no atual patamar ou a gente discutiria eventualmente até uma elevação adicional.
Inv.com – Organismos internacionais falam em desaceleração global. Por outro lado, a China vem reabrindo. Esses fatores tendem a puxar o Brasil para que lado no ano que vem?
Margato – O pano de fundo global macro ainda tem complexidades, ainda é bem desafiador, pois continuamos a discutir um aperto monetário mais agressivo nas principais regiões. Por exemplo, com o Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos, com o Banco Central Europeu na zona do euro, com o Banco da Inglaterra, que é autoridade monetária do Reino Unido, todos eles aumentaram suas taxas de juros de referência. Em alguns casos, houve uma sinalização clara de elevações adicionais nos próximos meses.
Então, na nossa avaliação, estamos observando parte final do aperto de juros nessas economias importantes, mas não acabou. Ainda devemos ter em 2023 um quadro de juros elevados por mais tempo para combater taxas de inflação historicamente elevadas. E esse contexto internacional deve levar a um crescimento menor da economia mundial, em alguns casos riscos de recessão mais intensos. Por exemplo, na Europa, com alguns aspectos relacionados à oferta, com continuidade da guerra na Ucrânia, e nos Estados Unidos, com a projeção de uma recessão suave, que não será duradoura.
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Mas tem um outro elemento que é a reabertura da China. Então, por um lado, aperto de juros, política monetária contracionista em regiões importantes, como Estados Unidos e Europa. Por outro, a dinâmica de reabertura chinesa, onde se observa manifestações da população local querendo essa reabertura. Vale lembrar que a política de tolerância zero adotada pelo governo chinês machucou bastante a atividade local. Projetamos um crescimento de PIB chinês em 2022 de 3%, muito abaixo dos 5,5% esperados no início deste ano. Agora, com a dinâmica de reabertura, é estimado um crescimento mais forte em 2023 comparado a 2022. Um crescimento ao redor de 5%.
Por mais que reconheçamos as turbulências globais que devem permanecer por mais tempo, o Brasil, no relativo, parece bem-posicionado. China é o nosso principal parceiro comercial e existe o tema da reabertura. Vale lembrar que a pauta exportadora do Brasil é concentrada em commodities agrícolas como soja, milho, outras culturas metálicas, aqui o destaque para o minério de ferro. Esses bens são menos sensíveis a efeitos de preço e turbulências da economia global. Aqui, a mensagem importante é: não vemos uma redução do volume de exportações do Brasil para o mundo, especialmente olhando para as commodities.
Inv.com - O que suporta essa avaliação para a economia brasileira?
Margato - Devemos considerar três fatores: o primeiro deles é a estimativa de forte aumento de produção do agronegócio. Leituras de Conab e IBGE apontam para aumento de safras em dois dígitos. Isso está combinado a preços internacionais de commodities ainda em patamares muito elevados, quando comparado ao período pré-pandemia em 2019 - e a nossa expectativa de que a taxa de câmbio vai permanecer em níveis depreciados. A projeção da XP é de R$5,30 reais por dólar como uma referência para taxa de câmbio média do ano que vem.
Esses três elementos devem trazer um bom desempenho para muitos setores exportadores no Brasil. Turbulências globais afetam, portanto, via maior aversão global ao risco, gera volatilidade nos mercados. Mas, o Brasil, pelas suas características de pauta exportadora, de um mercado emergente grande, com mercado financeiro sólido, tem aqui alguns sinais de resiliência, que, na nossa avaliação, colocam o Brasil bem-posicionado em termos relativos.
Quando a gente olha o balanço de pagamentos do Brasil, os sinais ainda são de robustez. Destaque para o IDP (Investimento Direto Produtivo), o investimento direto no país, entradas na economia real. Aqui não são os investimentos em carteira, em portfólio. Devemos observar no acumulado de 2022 quase US$90 bilhões de ingresso líquido via IDP, muito acima da projeção do início do ano de US$75 bilhões. Ou seja, tem uma entrada considerável de recursos de capital estrangeiro no Brasil, via investimento direto no país, uma balança comercial próxima às máximas históricas. E esse tema de China, câmbio depreciado, forte produção do agronegócio deve gerar uma fortaleza para o Brasil no relativo a outros países emergentes.
Inv.com – Quais os principais desafios do governo eleito em relação à uma aproximação maior do mercado externo?
Margato – De uma forma geral, o que a gente tem observado recentemente é que o novo presidente eleito Lula tem sido bem recebido pelas principais lideranças políticas globais. Talvez a avaliação de lideranças na Europa, na África, nos Estados Unidos, em outras regiões, seja positiva, por algumas medidas tomadas em outros mandatos.
Vemos, a princípio, boas relações diplomáticas. Na nossa avaliação, o principal ponto para o Brasil é a continuidade de agenda de reformas porque isso também tem reflexos lá fora. A percepção do investidor estrangeiro ou daquele agente econômico que atua diretamente no comércio exterior, a percepção sobre um país que avança em reformas, tendo como exemplo a reforma tributária que deve ter protagonismo no ano que vem, enfim, uma agenda de modernização de marcos regulatórios setoriais, tudo isso pode contribuir para um melhor ambiente de negócios. Isso favorece o comércio internacional e as relações econômicas entre os países. Eu diria aqui que o ponto de partida é positivo.
Importante também mencionarmos que o Brasil é uma das economias mais verdes do mundo. Quando a gente olha para o tema de economia verde, de energias renováveis, o Brasil tem um potencial enorme. Nós conversamos com muitos players globais, com muitos investidores estrangeiros, e existe sim um interesse bem significativo em investimentos no Brasil na questão de energia renovável, outros temas ambientais. Então, este elemento também nos deixa bem-posicionados. Saímos de um ponto de partida positivo em termos de relações diplomáticas e consideramos que sinais concretos de avanço em reformas, no fim do dia, são o principal fator para fortalecer relações comerciais com os outros países.