Por Geoffrey Smith
Investing.com -- A primeira regra sobre buracos, sabidamente, é que quando você estiver em um, pare de cavar. Na semana passada, em Jackson Hole, o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell conseguiu cumprir a regra - por pouco.
É verdade que não houve um anúncio claro para o início da "redução gradual" das compras de títulos que – 18 meses após o início da pandemia – ainda estão ativas em um surpreendente montante de US$ 120 bilhões por mês.
Como dito por Andreas Steno Larsen, da Nordea, faltou tanto drama, ou mesmo qualquer novidade, no discurso, que "era quase como se ele estivesse lendo em voz alta a ata da última reunião do FOMC". (Os delegados ficarão felizes com o fato de que, devido à Covid-19, não tiveram que se deslocar até o Wyoming para ouvir isso).
Contudo, a avaliação de Powell, de que "se a economia evoluir em linhas gerais como previsto, pode ser adequado começar a reduzir o ritmo das compras de ativos este ano", foi suficientemente clara. A escavação pode não ter parado ainda, mas está prestes a parar.
Se a decisão fosse dos presidentes dos bancos regionais do Federal Reserve, a redução gradual já teria começado. O presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, advertiu diversas vezes que as compras de títulos podem ter sido a política certa para o ano passado, mas não são mais para hoje.
"Estamos atrapalhando mais que ajudando com as compras de ativos, porque há uma bolha imobiliária incipiente nos EUA", disse Bullard à CNBC na semana passada, numa tentativa desesperada de roubar os holofotes do seu chefe. "Tivemos muitos problemas em meados dos anos 2000 porque fomos complacentes demais com os preços da habitação, de modo que acho que devemos ter muito cuidado com isso agora".
Bullard terá se sentido vingado pelos dados dos preços da habitação dos EUA para julho que foram publicados na terça-feira. O índice de preços compostos de habitação S&P/Case-Shiller aumentou a um ritmo recorde de 19,1% no ano, alta em relação aos 17,1% em junho e acima das expectativas de 18,5%.
Enquanto isso, sua contraparte no Fed de Kansas City, Esther George, salientou que a possibilidade da variante delta da Covid-19 tirar a recuperação do mercado de trabalho dos trilhos é muito menor agora que a vacinação está generalizada e as empresas descobriram formas de se adaptar às exigências do distanciamento social.
"Em geral, ao contrário do que vivenciamos no ano passado, as pessoas têm mecanismos para continuar a interagir com a economia", disse ela ao Yahoo Finance. "Isso me dá alguma confiança... que poderíamos continuar a avançar" com a redução das compras de ativos, acrescentou.
O mercado de trabalho continua sendo crucial. Depois de aumentar em quase 1 milhão de postos em julho, espera-se que os índices de emprego nos EUA tenham desacelerado em agosto à medida que a variante delta cobrou um crescente preço sobre a confiança do público. Mas os economistas ainda esperam que os postos de trabalho não agrícolas tenham subido respeitáveis 750.000 vagas, o que significa que quase metade dos empregos perdidos em 2020 terão sido substituídos.
"As indicações iniciais são de que a variante delta não irá parar o mercado de trabalho, e estamos antecipando que o forte desempenho continue à medida que o verão vire outono no hemisfério norte", disse Eric Winograd, economista sênior da AllianceBernstein numa publicação de blog.
Winograd diz que serão necessários "números especialmente fortes em agosto" para desencadear o tapering já na próxima reunião de política monetária do Fed, em 22 de setembro, mas ele ainda espera que o processo comece este ano.
No entanto, como após a Grande Crise Financeira, a tarefa de preparar os mercados globais para uma mudança no ciclo da política monetária dos EUA é assustadora. Uma das razões pelas quais Powell e o conselho de governadores, sediado em Washington D.C., tendem a ser mais dovish que os seus confrades regionais é que eles que estão mais sintonizados com a procura por dólares por parte da economia global, além de estarem cientes de que uma mudança de ciclo corre o risco de desencadear instabilidade no mercado global e atropelar a recuperação econômica.
Os mercados emergentes, em particular, estão em risco caso o Fed deixe a inflação dos EUA fora de controle e precise correr para controlá-la. Os fluxos líquidos de investidores para os mercados emergentes já ficaram negativos em antecipação da volatilidade habitual provocada pelos ciclos de aperto do Fed, afirma Robin Brooks, economista-chefe do Institute of International Finance.
"Estamos preocupados com um cenário em que a inflação aumentaria muito mais do que o esperado, e isso exigiria uma normalização muito mais rápida da política monetária nos EUA", disse esta semana a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Gita Gopinath, ao Financial Times.
Em épocas mais felizes, uma política mais apertada do Fed geralmente é um sinal de uma economia global forte, e de uma economia forte nos EUA. Mas este não é um ciclo econômico ou financeiro normal. A pandemia forçou respostas imprevisíveis dos bancos centrais de todo o mundo. Só no mês passado, um único caso de Covid-19 forçou o Reserve Bank da Nova Zelândia a adiar uma elevação das taxas que era praticamente certa, enquanto uma semana depois, a Coreia do Sul surpreendeu os mercados com o aumento da sua principal taxa a fim de deflacionar um aumento do preço das moradias. É quase certo que a volatilidade vai aumentar quando o Fed começar a retirar a proteção monetária.
Ou, como diz Winograd, da Alliance: "Não podemos realmente ter certeza de que o mercado irá assimilar o tapering até que ele realmente comece".