Por Fabricio de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - Não bastassem as expectativas de inflação desancoradas, a atividade econômica aquecida e as incertezas fiscais, o Banco Central precisará lidar com um fator adicional -- e imprevisível -- em sua próxima decisão sobre a taxa de juros, em novembro: a eleição presidencial dos Estados Unidos.
O Comitê de Política Monetária (Copom) se reunirá em 5 e 6 de novembro e anunciará ao fim do segundo dia o patamar da taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano.
O ineditismo está no fato de que a eleição norte-americana ocorrerá em 5 de novembro e, dado o complexo sistema de votação e de contagem de votos dos EUA, o vencedor da disputa na maior economia do mundo ainda não estará definido quando os membros do Copom deliberarem sobre a Selic.
O cenário da corrida eleitoral entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump está indefinido, conforme pesquisas eleitorais recentes que mostram os dois candidatos empatados nas intenções de voto nacionais.
Além disso, a reunião de política monetária do Federal Reserve vai acontecer em 6 e 7 de novembro, com determinação da nova taxa de juros nos EUA apenas um dia depois de a Selic ser definida. O chair do Fed, Jerome Powell, também falará à imprensa apenas no dia 7, quinta-feira.
Nos mercados globais, uma das dúvidas é se o Fed cortará sua taxa de juros em 25 pontos-base ou em 50 pontos-base, embora as apostas majoritárias dos investidores tenham caminhado para uma redução menor.
“A eleição nos EUA é terça-feira e o Banco Central decide a Selic na quarta. Mas o Copom não vai ter a ‘cola’ da eleição e da decisão do Fed, porque a definição dos juros lá fora será apenas na quinta-feira”, resumiu o estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha.
“Isso pode exigir que o BC seja um pouco mais incisivo na condução da política monetária. Há uma probabilidade razoável -- ainda não dominante, mas bastante razoável -- que a gente tenha que discutir 75 (pontos-base de alta da Selic)”, completou.
Nos últimos dias, o aumento das apostas de que Trump vencerá Kamala em alguns mercados preditivos fez o dólar avançar ante as demais moedas, incluindo o real. Nesta semana o dólar chegou a superar os 5,73 reais, após encerrar setembro na faixa dos 5,44 reais.
O “fator Trump” também deu força aos rendimentos dos Treasuries e contribuiu para o avanço recente das taxas dos DIs (Depósitos Interfinanceiros) no Brasil. Alguns vencimentos exibiram taxas próximas de 13%.
Por trás do movimento nos mercados brasileiros estão os receios dos investidores com a política fiscal do governo Lula, mas também a expectativa com eventual volta de Trump à Casa Branca.
As promessas do republicano de elevação das tarifas de importação da China, de bloqueio de imigrantes e de redução de impostos, entre outras, são apontadas como fatores inflacionários para os EUA. No limite, o Fed pode não ter tanto espaço para cortar juros no futuro.
“No curto prazo, o movimento é muito incerto, porque o mercado tem uma euforia generalizada ou um pessimismo generalizado. Mas a princípio Trump tende a apreciar o dólar”, comentou Guilherme Suzuki, sócio da Astra Capital.
O efeito do dólar alto sobre a inflação brasileira é um dos fatores de risco monitorados pelo Banco Central e que será levado em conta na reunião de novembro do Copom.
Por enquanto, a curva a termo brasileira precifica 90% de probabilidade de o colegiado elevar a Selic em 50 pontos-base no próximo mês, contra 10% de chance de subir em 75 pontos-base.