Por Ana Julia Mezzadri
Investing.com - Nos últimos dias, os mercados mundiais têm se dividido entre a esperança trazida por notícias positivas sobre o desenvolvimento de vacinas para a Covid-19 e o aumento nos casos de infecção, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.
Para Ilan Goldfajn, economista e ex-presidente do Banco Central do Brasil, que participou de uma teleconferência organizada pela Liga de Mercado Financeiro ESALQ-USP, a crise trazida pela pandemia de Covid-19 é diferente de tudo o que os mercados já viveram.
Na visão de Goldfajn, a grande diferença da crise atual para as outras crises é que o que está determinando a atividade é o vírus e a capacidade do mundo em controlá-lo. Assim, a perspectiva do economista é que o quarto trimestre mostre uma desaceleração em relação aos três meses anteriores, em reação a um aumento no número de infecções.
“Se olharmos para a atividade ao longo de 2020, todos os países tiveram uma queda forte em março e abril, que depois começou a voltar, mês a mês, até hoje. Agora estamos entrando em outra fase, que temos que observar. Isso é relevante economicamente, porque parece que o quarto trimestre, no mundo todo, vai ser mais fraco em relação ao terceiro. O mundo está andando de acordo com o Covid, e a vacina vai ser muito relevante daqui para frente”, explica.
No entanto, ressalta o ex-presidente do BC, uma segunda onda deve ter um efeito muito diferente da primeira sobre os mercados. “O mercado financeiro tem a ver com dados reais, mas tem muito a ver com expectativas e sensações. E tem duas que são diferentes agora. A primeira é o desconhecido. Em março e abril não se sabia nada. Por mais que ainda haja muita coisa desconhecida, já conhecemos muito mais. A segunda sensação é a esperança. Temos vacinas que já passaram por fases de testes e que estão esperando autorização emergencial”, diz.
“Solução tem, mas não é mágica”
Uma segunda onda, porém, pode ser muito mais preocupante do ponto de vista fiscal e monetário. “Acho que estamos em uma posição mais frágil fiscal e monetariamente, porque já usamos uma parte da munição. A quantidade de dívida aumentou bastante em todos os países, já se gastou muito”, explica. “Se a percepção é de mais confiança no mercado, o risco fiscal é maior, porque temos menos a distribuir.”
Assim, na visão de Goldfajn, uma solução agora seria muito mais difícil pois, ao mesmo tempo em que o governo quer manter os programas sociais, precisa cortar de algum lugar, o que é certamente desafiador. “Não existem mágicas. Dívidas precisam ser pagas. Há limite de emissão. Dar calote custa para alguém.”
As medidas que precisam ser tomadas então, para o economista, são a contenção da disseminação do vírus, a distribuição rápida das vacinas e, finalmente, as reformas.
Taxa de juros
Ainda que Goldfajn diga não ver um limite fixo para a taxa de juros, alerta que, em um país emergente com riscos e dificuldades, quem retém dívidas espera um retorno maior — e esse risco, com a queda do juros, tende a aumentar. Esse risco, que parece de natureza puramente fiscal, pode virar um risco inflacionário com a depreciação do câmbio. “Não existe um limite fixo, mas é algo que preocupa.”
“Não vejo uma bolha”
Para o economista, a alta do mercado financeiro não configura uma bolha. “Como estou vendo uma mudança inflacionária mais ou menos estrutural, acredito que o juros no Brasil mudou de patamar. Isso não significa que irá ficar em 2% o tempo todo, mas consigo dizer que irá ficar em um dígito. Isso é uma revolução no Brasil. E o juros baixo empurra as pessoas a investir em ações”, explica.