Por Leonardo Goy e Bruno Federowski
BRASÍLIA (Reuters) - Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do início do mês que autoriza prefeituras a cobrarem IPTU de empresas privadas que ocupam imóvel público vem preocupando o governo federal e empresas que possuem concessões na área de infraestrutura, tanto pela tributação adicional que pode causar em áreas como terminais portuários e rodovias, como pelo impacto no interesse de investidores em futuras concessões.
Ao negar recurso apresentado pela Petrobras (SA:PETR4), relativo à cobrança de IPTU em área arrendada no Porto de Santos, o STF reconheceu a constitucionalidade da cobrança, "com repercussão geral", o que, para especialistas, pode estender a cobrança a outros tipos de concessões.
"Quando o Supremo coloca 'repercussão geral' ele não atinge só o setor portuário, mas todo o setor de infraestrutura sob concessão", disse o diretor presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), José Di Bella Filho. A entidade tem entre seus membros empresas como Braskem (SA:BRKM5), Cargill, Copersucar, Rumo (SA:RAIL3) e Ultrapar (SA:UGPA3).
Somente no caso de Santos, a estimativa da prefeitura é de que a cobrança arrecade cerca de 13 milhões de reais por ano, além disso, a cobrança do retroativo desde 2000, quando foi iniciada a ação judicial, chega a cerca de 300 milhões de reais.
"Foi uma ação que o Supremo estabeleceu de repercussão geral, a decisão vai ter repercussão para o Brasil inteiro. Todas as cidades portuárias, as cidades que têm área concedida para qualquer atividade poderão cobrar o IPTU das empresas", disse à Reuters o prefeito de Santos, Paulo Barbosa (PSDB).
Segundo Di Bella, o setor portuário analisa agora os próximos passos. Uma das possibilidades seria pedir o reequilíbrio dos contratos junto ao governo, o que pode levar, por exemplo à redução do montante pago à União a título de outorga das áreas arrendadas.
"Ou eu faço um repasse da União para o município, ou vou ter de mexer no preço. As margens são muito pequenas", disse.
Em nota, a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) ressalta que a decisão do STF representa uma mudança no posicionamento histórico do tribunal sobre o assunto.
O presidente da entidade, o ex-ministro dos Transportes César Borges, disse que o setor vai tentar se colocar como parte interessada no caso para buscar esclarecimentos sobre qual é a real extensão da cobrança, e se atinge mesmo outros setores.
"Espero que o STF possa esclarecer, mas tenho confiança de que o tribunal vai manter o entendimento que sempre teve", disse Borges, observando que, se confirmada, uma eventual cobrança de IPTU em rodovias teria impacto nas tarifas dos pedágios.
"A despeito de não haver menção expressa à incidência do IPTU às concessionárias de serviços públicos, diversas concessionárias de rodovias têm relatado um movimento bem mais intenso de diversos municípios em relação à cobrança do IPTU sobre bens públicos por ela operados no regime de concessão (tais como praças de pedágio, passarelas, trechos rodoviários, etc)", diz a ABCR, que representa empresas como CCR (SA:CCRO3) e Ecorodovias (SA:ECOR3).
O presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, avalia que “dadas as condições financeiras deterioradas dos governos, esse caminho tende a ser explorado com muita voracidade pelos gestores públicos”.
“Haverá desdobramentos que podemos imaginar: encarecimento de custos para o usuário final, pois o concessionário ou arrendatário terá direito a obter o reequilíbrio na forma que estiver estipulado em lei ou em contrato”, completou Tadini.
Uma fonte do governo que trabalha com concessões disse que a decisão do STF é preocupante.
"A decisão tem dois efeitos. Um deles, mais abrangente, é o impacto no princípio da segurança jurídica. Quando entraram no negócio, os investidores das concessões não tinham essa condição. Isso pode afugentar investidores."
O segundo ponto, de acordo com essa fonte, é o efeito prático no dia a dia dos atuais contratos. Ele ressalta que, somente na área de portos, há hoje cerca de 200 contratos de arrendamento. "Imagine se o governo tiver de avaliar pedidos de reequilíbrio em todos eles?" Além disso, a fonte também avalia, assim como os representantes do setor privado, que há o risco da cobrança se estender para outros setores.
"É bem possível que isso aconteça. Se acontecer, teremos de fazer ajustes nos estudos de futuras concessões", disse.
DECRETO DOS PORTOS
Além da questão do IPTU, outra preocupação do setor portuário é a situação do chamado Decreto dos Portos, assinado pelo presidente Michel Temer no ano passado, mas que na prática não está gerando efeitos, à medida que o governo aguarda posição final do Tribunal de Contas da União (TCU) para assinar contratos.
O decreto, que amplia prazos para contratos de concessão e arrendamentos e flexibiliza regras para estimular investimentos, avaliados na época em até 25 bilhões de reais, acabou se tornando alvo de investigações que envolvem o presidente Michel Temer em suposto favorecimento da empresa Rodrimar. O governo nega as acusações.
Para Di Bella, da ABTP, a assinatura de contratos com base nos decretos é fundamental para destravar investimentos necessários para o setor acompanhar o crescimento da demanda.
"Se o decreto não exercer seus efeitos, se os contratos não forem assinados, acontecerá o caos. A infraestrutura não será capaz de atender à demanda", disse.