Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - Sob pressão para detalhar planos para a gestão das contas públicas do país a partir de 2023, a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a dar pistas sobre propostas para substituir o teto de gastos, enquanto a equipe do presidente Jair Bolsonaro (PL) também apresenta apenas sinalizações sobre as ideias para a área fiscal.
As candidaturas terão que discutir e negociar o novo arcabouço enquanto buscam formas de viabilizar compromissos de campanha que impactam diretamente as contas públicas, com os dois lados prometendo manter o valor adicional do Auxílio Brasil e corrigir a tabela do Imposto de Renda.
LULA E A META
À frente nas urnas no primeiro turno, mas com uma margem de votos em relação a Jair Bolsonaro mais apertada do que pesquisas apontavam, Lula tem resistido detalhar seus planos para a área fiscal. Nos bastidores, porém, sua equipe passou a indicar possíveis caminhos nessa área.
O PT analisa duas propostas principais para substituir o teto de gastos, mas o ex-presidente só deve bater o martelo sobre o modelo a ser adotado caso vença as eleições.
Uma das alternativas é a volta da meta de superávit primário como principal âncora fiscal do país, mas não com um valor fixo, como já é adotado, e sim com bandas que permitam ajustá-la de acordo com os ciclos da economia.
Uma segunda proposta prevê uma regra de reajuste do limite das despesas pelo IPCA e por um outro indicador, ainda não definido, mas que abriria espaço para um crescimento real das despesas.
A ideia é que a elevação acima da inflação se desse principalmente nas despesas consideradas "nobres" --infraestrutura e gastos sociais-- evitando amarras, como acontece atualmente com o teto, que impede o governo de investir mais mesmo tendo uma arrecadação maior do que previsto.
O plano do PT pretende induzir a atividade por meio dos gastos públicos, gerando um efeito em cadeia de estímulo ao setor privado, crescimento da economia e consequente aumento da arrecadação tributária. Com isso, o partido buscaria uma redução do endividamento do país a médio e longo prazo.
BOLSONARO E A DÍVIDA
A equipe de Bolsonaro tem à mesa duas propostas para substituir a atual regra do teto. Ambas colocam a dívida pública como principal âncora fiscal e têm um limite para o crescimento dos gastos, embora permitam uma elevação das despesas acima da inflação.
Assim como na campanha de Lula, as medidas não foram formalmente apresentadas.
Discutida desde o início do atual governo, proposta do Tesouro Nacional permite um crescimento das despesas públicas acima da inflação a depender do indicador de dívida --os patamares ainda não foram definidos.
Apresentação interna da pasta com a proposta preliminar, obtida pela Reuters, estabelece que o limite de gastos seria definido a cada dois anos, usando como indicador a dívida líquida do governo geral, que não inclui débitos do Banco Central e de estatais.
A intensidade do crescimento dos gastos seria calculada não apenas a partir do nível da dívida, mas também de sua trajetória. Ou seja, em momentos de tendência de alta do endividamento, mesmo que em patamares ainda baixos, o governo teria menos espaço para elevar despesas.
O texto ainda prevê um incentivo para obtenção de resultados primários positivos, que dariam uma espécie de bônus para o governo ampliar despesas.
Sem detalhar o que seria feito em 2023, a proposta define que a regra começaria a ser aplicada em 2024, com uma elevação real de 2% no teto. A partir daí, o crescimento da despesa acima da inflação observaria os indicadores.
Colocada em debate mais recentemente, nova proposta organizada pela Assessoria Especial de Estudos Econômicos do Ministério da Economia autoriza aumento de gastos do governo acima da inflação a depender do nível da dívida pública e acrescenta o PIB como condicionante, abrindo espaço para mais despesas em período de crescimento da atividade e também em caso de recessão.
A regra permitiria um aumento real de gastos se a dívida bruta ficasse abaixo de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), facilitando a elevação da despesa se o endividamento ficasse abaixo de 60% do PIB. O nível desse crescimento dependeria da variação do PIB.
TETO FURADO
Aprovado em 2016, o teto de gastos se tornou a principal âncora fiscal do país, limitando o crescimento das despesas do governo à variação da inflação.
A regra, porém, colocou pressão sobre a gestão das contas públicas porque gastos obrigatórios com benefícios previdenciários e salários seguiram em tendência de alta enquanto comprimiam o espaço disponível para investimentos e custeio da máquina pública.
A norma sofreu afrouxamentos em todos os anos do governo Jair Bolsonaro, por meio da aprovação de emendas constitucionais.
Em 2019, repasses de recursos de petróleo a Estados e municípios foram retirados da contabilização da norma. Em 2020, o teto foi aberto para liberar os gastos emergenciais de enfrentamento à pandemia de Covid-19.
No ano passado, o governo limitou o pagamento de precatórios e retirou parte dessas despesas da regra fiscal, mudando também o período de cálculo do teto, o que abriu uma folga para gastos. Neste ano eleitoral, foi aprovado um estado de emergência para ampliar benefícios sociais por fora da norma fiscal.
Mesmo com o aumento de gastos após as flexibilizações na regra e as perdas de receitas com desonerações tributárias, a dívida bruta do governo está em trajetória de queda, sob o impacto de recordes sucessivos de arrecadação, com impulso da inflação, da alta nas cotações de commodities e da retomada da atividade.
Depois de oito ano seguidos de déficits primários, o governo federal espera alcançar um superávit neste ano. No entanto, já está previsto um retorno do saldo fiscal negativo em 2023, rombo que poderá ser maior a depender do cumprimento de promessas eleitorais dos candidatos.