Após ter dividido opiniões de analistas ao não intervir para conter a escalada do dólar no início de agosto - quando chegou a bater R$ 5,74 -, o Banco Central resolveu se mexer e anunciou que vai realizar nesta sexta-feira, 30, um leilão de venda de dólares à vista. O último leilão à vista havia ocorrido em abril de 2022. Segundo o comunicado, será aceita a compra de no máximo US$ 1,5 bilhão.
Ontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC estava sempre com "o dedo no gatilho" para atuar no mercado de câmbio, caso necessário. "A gente chegou muito perto de pensar em fazer intervenção em alguns momentos", disse Campos Neto, em evento promovido pelo Banco Santander (BVMF:SANB11).
Declarações anteriores do próprio Campos Neto e do diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo - reforçando que o BC esteve prestes a intervir durante o estresse no início de agosto - já eram vistas por analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast como um recado de que a autoridade monetária barraria tentativas de agentes de provocar uma corrida ao dólar. Galípolo foi indicado ontem à presidência do BC pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa, afirma que há expectativa de saída de cerca de US$ 1 bilhão amanhã em razão do rebalanceamento do fundo americano EWZ (NYSE:EWZ) (MSCI Brazil ETF), que vai passar a incluir ações brasileiras listadas no exterior, como XP (BVMF:XPBR31) e Nubank (BVMF:ROXO34). O EWZ é o principal ETF (fundo que replica um índice de mercado) brasileiro negociado nos Estados Unidos - conhecido popularmente como "Ibovespa dolarizado".
"Devem ter percebido que o mercado poderia ficar disfuncional com fluxo de saída esperado por conta do EWZ. Além disso, amanhã é vencimento de contrato futuro e, provavelmente, o BC pode querer evitar que uma saída de dólares gere distorção na formação da ptax (taxa de referência do câmbio)", afirma Costa, acrescentando que hoje foi um dia de forte depreciação do real ou do peso mexicano.
Trata-se da primeira intervenção no segmento à vista desde 22 de abril de 2022, quando o BC vendeu US$ 571 milhões. Na ocasião, a moeda americana ganhava força em todo o mundo em razão de sinais do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, de mais aperto monetário nos EUA.
Em 2 de abril deste ano, o BC vendeu US$ 1 bilhão em swaps cambiais extras, com a justificativa de amenizar o efeito do vencimento NTN-As (títulos públicos indexados à taxa de câmbio) sobre a formação da taxa de câmbio.
Desta vez, a intervenção do BC vem após uma sequência de quatro pregões de valorização do dólar, que fechou a R$ 5,62 nesta quinta-feira, acumulando ganho de 2,62% na semana. O leilão será das 9h30 às 9h35.
Analistas ouvidos pela reportagem atribuíram a escalada da moeda americana nesta quinta-feira, 29, a dados fortes da economia dos EUA - segunda leitura do PIB americano no segundo trimestre e número de pedidos semanais de auxílio-desemprego -, que desautorizaram apostas em corte mais agressivo de juros pelo Fed em setembro.
Como pano de fundo, houve quem citasse o aumento das incertezas em relação aos próximos movimentos do Comitê de Política Monetária (Copom), após Galípolo ter sido indicado para substituir Campos Neto. Galípolo adotou um tom mais duro recentemente, reiterando que uma alta da taxa Selic "está na mesa", o que esquentou as apostas de início de um ciclo de aperto monetário já neste mês.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, afirma, contudo, que não havia um entendimento claro sobre os motivos que provocaram a depreciação expressiva do real nesta quarta-feira. "O BC entendeu que a alta de dólar era disfuncional. A ação deve deixar alguns players que entraram no fim do rali machucados", afirma.
Para Sanchez, o BC deixa claro, com o anúncio de venda de dólares, que não vai elevar a taxa Selic com "o câmbio jogando fora do esquadro". "Em outras palavras, me parece que a autoridade monetária não vai aceitar que operem o câmbio para chancelar eventual alta de juros", diz o economista.
O BC afirma frequentemente que intervém no mercado sempre que há disfuncionalidades, como aperto de liquidez ou demanda pontual por dólares, jamais para tenta definir um nível para o dólar ou combater aumento da taxa de câmbio em razão da elevação de prêmios de risco.