Por José de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - Um forte movimento de realização de lucros ditado pelo exterior levou o dólar à maior queda em dois anos e meio nesta terça-feira, com a moeda devolvendo em apenas um dia mais da metade do ganho acumulado nas primeiras sessões de 2021 e também repercutindo falas de um diretor do Banco Central.
O dólar à vista caiu 3,32%, a 5,3208 reais na venda, na maior baixa percentual diária desde 8 de junho de 2018 (-5,59%). Ao longo da jornada, a cotação oscilou entre 5,4948 reais (-0,15%) e 5,3192 reais (-3,35%).
O real liderou, com folga, os ganhos entre as principais moedas globais, depois de encabeçar as perdas nas últimas sessões. A moeda brasileira era seguida no dia por rublo russo (+1,9%), rand sul-africano (+1,8%), peso mexicano (+1,3%) e dólar australiano (+1%) --divisas de risco e que, portanto, se beneficiam de expectativas de crescimento econômico.
Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, considerou que a maior parte da baixa do dólar nesta sessão veio do exterior, onde a moeda caía de forma generalizada depois de um rali nos primeiros dias do ano. "Existe a perspectiva de mais estímulo global e isso é positivo para mercados e ativos emergentes, como o real", disse.
Na véspera, o dólar havia saltado 1,60%, a 5,5033 reais na venda, maior nível desde 5 de novembro (5,5455 reais). A moeda vinha de alta de 6,01% no ano até segunda-feira, valorização reduzida a 2,49% aos preços desta terça.
O tombo do dólar se deu ainda em meio a declarações do diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra.
Em live, o diretor afirmou que os juros de 2% não são para situações normais no Brasil e que é natural imaginar que o "estímulo extraordinário" que o BC está concedendo à economia via política monetária será retirado de cena em algum momento.
Os comentários vieram no dia em que o IBGE divulgou que a inflação medida pelo IPCA teve em 2020 a maior taxa em quatro anos, ficando acima da meta de 4%.
Uma das discussões no mercado é se o Banco Central poderia ser forçado a antecipar a normalização da política monetária, cujo início está previsto atualmente para agosto, com base em estimativas compiladas pela pesquisa Focus.
O mercado tem avaliado que parte da pressão sobre o real desde o ano passado decorre do baixo nível de juros, com a Selic na mínima histórica de 2% deixando a moeda brasileira como opção barata para hedge ou mesmo como fonte de financiamento.
O próprio diretor Bruno Serra colocou a redução do diferencial de taxas como fator a explicar o patamar atual do dólar, além de incerteza fiscal, mudança nas regras de tributação de hedge e redução da dívida em dólar por parte de algumas empresas.
"Considero que o BC deveria iniciar o processo de normalização monetária em março ou maio, o que deve aliviar, caso não ocorram mais surpresas fiscais negativas, as pressões no câmbio, na inclinação da curva de juros e no gerenciamento da dívida pública", comentou no Twitter Sergio Goldenstein, consultor independente e estrategista na Omninvest Independent Insights e ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central.
"O problema com o real continua. Apesar da elevação recente dos preços das commodities e da melhoria dos termos de troca (vide preço do minério), o desempenho absoluto e relativo continua ruim", acrescentou Goldenstein.
O Barclays (LON:BARC) espera que o BC comece a elevar os juros em agosto, com a Selic fechando o ano em 3,75%, ante os atuais 2%. Mas o banco entende que os números de inflação divulgados mais cedo podem levantar questionamentos sobre a manutenção na próxima semana do forward guidance --orientação futura, segundo a qual não pretende reduzir o grau de estímulo monetário desde que determinadas condições sejam satisfeitas.
O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne nos dias 19 e 20 de janeiro para decidir sobre o rumo da Selic.