Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro apresentou ao Senado nesta sexta-feira um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, esticando a corda e adicionando mais um capítulo à crise institucional entre os Poderes.
A peça encaminhada ao Senado, no entanto, não deve prosperar, na opinião de senadores e consultores, e até mesmo o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a quem cabe dar ou não andamento ao processo, já adiantou que não identifica critérios que justifiquem a destituição do cargo do ministro do STF.
"Sinceramente não antevejo fundamentos técnicos, jurídicos e políticos para impeachment do ministro do Supremo, como também não antevejo em relação a impeachment de presidente da República", disse o senador a jornalistas, defendendo que o episódio da apresentação do pedido de impeachment haverá de ser "superado".
Pacheco avaliou que o impeachment é um instrumento "grave" e "excepcional", e lembrou que o país tem outros desafios a enfrentar, como a pandemia, a inflação, a pobreza e a fome, manifestando ainda seu desejo de retomar o diálogo entre os Poderes, na esteira de uma crise institucional alimentada, em boa parte, pelo próprio presidente da República.
Abusos
Na peça encaminhada ao Senado, Bolsonaro afirma que o integrantes da Suprema Corte teria cometido crime de responsabilidade ao tomar "medidas e decisões excepcionais", cometer "abusos" contra o presidente da República e coibir a liberdade de expressão.
"Não se pode tolerar medidas e decisões excepcionais de um ministro do Supremo Tribunal Federal que, a pretexto de proteger o direito, vem ruindo com os pilares do Estado Democrático de Direito", diz o pedido de impeachment.
"Observa-se na espécie cometimento de crime de responsabilidade pelo excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes, ao atuar como verdadeiro censor da liberdade de expressão ao interditar o debate de ideia e o respeito à diversidade", afirma a peça.
Em julho, Moraes determinou que a Polícia Federal retomasse investigação sobre suposta interferência de Bolsonaro no comando da corporação. Depois, no início de agosto, acolheu notícia-crime encaminhada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente por sua conduta ao atacar o sistema eleitoral brasileiro.
Alguns dias depois, o ministro determinou abertura de inquérito contra Bolsonaro por vazamento de informações sigilosas de investigação da Polícia Federal sobre ataque cibernético sofrido pelo TSE em 2018, meses antes das eleições e sem conexão com essas.
Também foi o responsável, na última sexta-feira, por decisão que determinou a prisão de aliado de Bolsonaro, o ex-deputado e presidente do PTB Roberto Jefferson, no âmbito de inquérito que apura a existência de uma organização criminosa digital disseminadora de notícias falsas e de ataques à democracia.
No dia seguinte, o presidente, que abriu um campo de batalha com o Judiciário e com alguns integrantes do Poder, anunciou que entraria com pedidos de impeachment conta Moraes e também contra o ministro do STF e presidente do TSE Luís Roberto Barroso, mas o pedido de impeachment apresentado nesta sexta refere-se apenas a Moraes.
Em breve entrevista nesta sexta-feira, o presidente adiantou que também vai apresentar pedido de impeachment contra Barroso nos próximos dias.
"Não é fácil fazer um pedido, você tem que ter muito equilíbrio, você tem que buscar materialidade, tem que estudar bastante. Não pode apresentar por apresentar. Nós priorizamos esse pedido do senhor Alexandre de Moraes e nos próximos dias ultimaremos o segundo pedido", disse Bolsonaro.
Bolsonaro vinha reiterando ataques à confiabilidade das urnas eletrônicas, e sugerindo fraude nas eleições sem, no entanto, apresentar provas.
Barroso rebateu as declarações, defendeu a lisura do atual sistema de votações e participou de negociação no Congresso Nacional para evitar a aprovação do voto impresso, tornando-se, ao lado de Moraes, um dos alvos preferenciais de Bolsonaro.
Repercussão
A apresentação do pedido de impeachment de Moraes provocou reações quase imediatas.
Em nota, o STF repudiou o ato contra o ministro da corte e pontuou que um magistrado não pode ser acusado por suas decisões, aproveitando para destacar que contestações devem ocorrer nas vias de recurso adequadas. O Supremo também manifestou total confiança na independência e imparcialidade de Moraes.
"O Supremo Tribunal Federal, neste momento em que as instituições brasileiras buscam meios para manter a higidez da democracia, repudia o ato do excelentíssimo senhor presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões em inquérito chancelado pelo plenário da corte", diz a nota.
"O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal."
No Twitter, o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que também é o vice-presidente do Congresso Nacional, avaliou que "a fragilidade técnica da peça do pedido de impeachment deixa claro que nessa atitude está apenas o desejo de criar uma nova bandeira mobilizadora para sua militância, após a derrota do voto impresso".
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), avaliou que o pedido tem "pouquíssima chance de ser aprovado".
"Os ataques ao ministro devem-se à sua atuação rigorosa no combate às fake news, que tanto afetam a democracia. O presidente tensiona ainda mais as relações e caminha a passos largos para a ingovernabilidade", avaliou a parlamentar em publicação no Twitter.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid na Casa, também utilizou a rede social para opinar.
"Nunca se viu nas democracias um desvario igual ao de Bolsonaro ao propor o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O ataque é a gota d’água para os democratas. Não há diálogo com quem só ambiciona o confronto. Obviamente o pedido não prosperará e tem meu voto antecipado: não."