Por Anthony Boadle
BRASÍLIA (Reuters) - Milhares de indígenas fizeram nesta quinta-feira uma manifestação, entoando ao som de tambores no centro do poder em Brasília, para protestar contra o fracasso do governo em proteger suas terras ancestrais.
O evento anual foi focalizado neste ano no descontentamento indígena contra os planos de construção de uma ferrovia para transporte de grãos de Estados com forte produção agrícola até portos na Amazônia, com o intuito de ajudar nas exportações. Os indígenas temem que a construção destrua o meio ambiente de comunidades tribais perto do rio Tapajós.
Para criticar a chamada Ferrogrão, os manifestantes usaram um caminhão-reboque pintado como se fosse um vagão de trem e com os dizeres “Trilhos da Destruição - Ferrogrão Não”, além dos nomes das produtoras multinacionais ADM, Bunge (NYSE:BG), LDC e Cargill.
“Ferrogrão é o trem da morte, do desmatamento”, afirmou Alessandra Korap Munduruku, vencedora do prêmio ambiental Goldman. “Não vai levar passageiros, como dizem, mas grãos produzidos por empresas internacionais que financiam o projeto.”
Kleber Karipuna, líder da maior organização indígena do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), disse que as comunidades não foram consultadas sobre a ferrovia, cujo anúncio pelo governo desencadeou uma onda de grilagem de terras ao longo do percurso.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um grupo de indígenas que lideraram o protesto na Praça dos Três Poderes. Entre eles, a maior queixa é o fracasso do governo em homologar terras indígenas que completaram o processo de demarcação, estabelecendo-as como terras sobre as quais eles têm direito por ancestralidade.
"Recebi, no Palácio do Planalto, cerca de 40 lideranças indígenas para ouvir as reivindicações do movimento", disse Lula na rede social X.
O presidente disse que quando nomeou Sonia Guajajara para o Ministério dos Povos Indígenas e Joenia Wapichana para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ele sabia que não seria fácil reconstruir a política indigenista.
"Estou satisfeito com o trabalho feito até aqui e com a certeza de que vamos trabalhar ainda mais. Eu tenho o dever moral e o compromisso de vida de fazer aquilo que for possível, e até o que for impossível, para minimizar o sofrimento dos povos indígenas e garantir seus direitos", acrescentou.
O governo Lula, que tem minoria no Congresso, também está indeciso sobre se deve aprovar o projeto da ferrovia, que tem forte apoio poderoso setor do agronegócio.
"Saímos daqui, não animados ainda, mas bem cientes que é um processo de luta que segue e que os povos indígenas têm que potencializar a luta para que mais vitórias venham acontecer. E uma luta bastante problemática: temos um governo que dialoga, mas por outro lado uma bancada (ruralista) que ainda trava o governo de governar", disse Edinho Macuxi, de 54 anos, do Cimi de Roraima.
Segundo ele, 8 mil pessoas participaram da manifestação.
Já a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) está pressionando pela execução do projeto, que foi proposto pela primeira vez em 2015. São 950 km de ferrovia para ligar Sinop (MT) ao Porto de Miritituba (PA).
"A FPA é à favor da Ferrogrão, projeto do governo federal de extrema importância para o escoamento de produção", disse a frente parlamentar.
Líderes indígenas pediram na quarta-feira que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida definitivamente sobre a demarcação das terras indígenas conforme estabelecido pela Constituição, algo que o Congresso limitou com o chamado Marco Temporal.
Eles criticam os parlamentares por aprovarem projetos que permitirão agricultura e mineração nas terras indígenas, o que pode aumentar a extração madereira ilegal e o desmatamento.