Por Leonardo Goy e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A poucos dias da votação que pode resultar no afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, suspender o mandato de deputado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tirando-o do comando da Câmara dos Deputados e da linha de sucessão da Presidência da República.
Munidos de argumentos para justificar que a decisão não implica interferência do Judiciário em outro Poder, os ministros decidiram, a partir de pedido formulado ainda no ano passado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), suspender a atividade de Cunha como deputado e como presidente da Câmara, na intenção de evitar que utilize seu mandato para obstruir a Justiça.
“Os elementos fáticos e jurídicos aqui considerados denunciam que a permanência do requerido... no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”, disse o relator, ministro Teori Zavascki, em seu voto, que consistiu na decisão liminar concedida mais cedo.
A decisão do STF de suspender o mandato de Cunha não significa uma cassação e o peemedebista mantém o foro privilegiado.
Cunha é réu no STF pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sob acusação de integrar o esquema de corrupção na Petrobras (SA:PETR4), investigado pela operação Lava Jato. Sobre o deputado, recai a acusação de ter recebido ao menos 5 milhões de dólares de propina.
Com a decisão, Cunha deixa de estar na linha de sucessão da Presidência da República. Se a maioria dos senadores votarem na próxima semana pela abertura do processo de impeachment de Dilma, ela será afastada por até 180 dias e o vice-presidente Michel Temer assumirá interinamente a Presidência.
Se permanecesse no comando da Câmara, Cunha assumiria a Presidência da República quando Temer viajasse ao exterior.
Em entrevista coletiva após a decisão do Supremo, Cunha disse estranhar a rapidez entre a concessão da liminar e o apreciação da mesma pelo plenário do tribunal e foi categórico ao dizer haver "pontos que têm que ser contestados com muita veemência" na decisão.
Cunha disse ser "óbvio" que existe um processo político na decisão, lembrando que o pedido da PGR para seu afastamento ocorreu logo após ele ter aceito o pedido de impeachment de Dilma. E a decisão do STF ocorre agora após a votação do impedimento da presidente pela Câmara dos Deputados.
"Vou recorrer e espero ter sucesso no meu recurso", disse Cunha.
EXCEPCIONALIDADE
O ministro Dias Toffoli, ao acompanhar o voto do relator, ressaltou o caráter excepcional da decisão de afastar um presidente de uma Casa do Legislativo.
“Não é desejo de ninguém que isso passe a ser um instrumento de um Poder sobre o outro, de empoderamento do Judiciário em relação aos Poderes eleitos democraticamente pelo voto popular”, argumentou o ministro. “A decisão é drástica, para lá de incomum.”
A ministra Cármen Lúcia foi na mesma linha, ao dizer que a decisão de afastamento de parlamentar não pode se popularizar. Ponderou, no entanto, que o caso é uma situação “excepcionalíssima”.
“Imunidade não pode ser confundida com impunidade. A República não comporta privilégios”, disse a ministra em seu breve voto.
Para Gilmar Mendes, o afastamento de Cunha passou a ser urgente pela chegada do impeachment no Senado e seus reflexos na linha sucessória. Já o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, afirmou que a decisão desta quinta demonstra que o Poder Judiciário “está atento aos acontecimentos que ocorrem no país”.
“Não há qualquer ingerência no Poder Legislativo. Estamos agindo dentro dos limites da nossa competência. Uma eventual cassação continua sob a discricionariedade da Câmara dos Deputados, a critério dos parlamentares que integram aquela Casa”, disse o presidente da Corte.
Os ministros do STF adiaram a análise de ação protocolada pela Rede e outros partidos que pede o afastamento de Cunha da presidência da Câmara e que pede que réus não façam parte da linha sucessória da Presidência da República.
REAÇÃO DO GOVERNO
No Palácio do Planalto, a liminar de Teori foi recebida com surpresa pela manhã, e alguma revolta pela demora da mesma. Mas a decisão do pleno era esperada, uma vez que a previsão era de que a maioria dos ministros acompanhasse Teori.
Auxiliares da presidente consideram que o STF estava no “limiar da omissão” pelo tempo que levou a decisão e avaliam que todo o histórico do impeachment poderia ter sido outro caso Cunha já estivesse ao menos fora da presidência da Câmara.
Embora o pedido da PGR para o afastamento de Cunha da presidência da Câmara tenha ocorrido depois de ele ter aceito o pedido de impeachment de Dilma, a avaliação do Planalto é de que se não estivesse no cargo e em guerra aberta com a presidente, o governo poderia ter revertido a debandada da base aliada, disse uma fonte palaciana.
O governo vai usar a decisão do STF para recorrer ao próprio tribunal contra a admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma.
"Entraremos com novo recurso ao STF questionando a existência de desvio de poder nas ações do deputado afastado", disse o ministro Jaques Wagner, do gabinete pessoal da Presidência.
A alegação é que Cunha usou o impeachment como arma para uma vingança pessoal, o que invalidaria o processo na Câmara.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu; Edição de Alexandre Caverni)