O sertão brasileiro deve receber sua 1ª biorrefinaria para produção de biocombustíveis em 2024. A usina terá um papel importante no desenvolvimento de uma pesquisa que promete revolucionar o semiárido do país e transformar a realidade socioeconômica de uma região marcada pela escassez de recursos.
O projeto Brave (sigla em inglês para Desenvolvimento do Agave Brasileiro), encabeçado pela Shell (NYSE:SHEL), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Senai Cimatec, estuda o potencial energético do agave. A planta da espécie das suculentas pode se tornar uma alternativa à cana de açúcar e ao milho na produção de etanol e biogás no interior do nordeste e povoar a região com parques de biorrefino.
O agave tem como uma de suas principais vantagens a capacidade de crescer no terreno semiárido típico da Caatinga, onde outras matérias primas de biocombustíveis não são capazes de se desenvolver.
Ao Poder360, o gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell no Brasil, Alexandre Breda, disse que descobriu sobre o agave através de conversas com pesquisadores e a planta chamou sua atenção pelo seu potencial energético, mas também pela possibilidade de se criar uma nova indústria no sertão brasileiro.
“O nosso objetivo é desenvolver o agave como uma nova biomassa para produção de biocombustíveis”, afirmou Breda. “Ela tem essa habilidade de crescer onde nada mais cresce. Então imagina o potencial que isso pode ser como geração de renda, como geração regular para a região”.
Além disso, a experiência do Brasil com biocombustíveis facilitou a decisão da empresa em investir no projeto. Com o domínio do país na produção do etanol da cana de açúcar, a Shell procura uma matéria prima que possa ser uma alternativa de produção na Caatinga.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil possui mais de 84 milhões de hectares de semiárido na Caatinga. Já a produção brasileira de cana de açúcar ocupa uma área de 8 milhões de hectares, aponta o Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Na avaliação de Breda, o território amplo para o plantio do agave na região coloca a planta em um patamar acima das outras fontes de bicombustíveis. Contudo, Breda pontua que o agave não vem para substituir a cana de açúcar, mas para complementar a produção de biocombustíveis no país e trazer desenvolvimento sustentável para o sertão.
“A gente está buscando é mais uma biomassa, para complementar a cana, para somar à cana, ao milho, para somar a outras biomassas que hoje produzem biocombustíveis. Então a cana de açúcar vai continuar sendo extremamente importante para São Paulo, Mato Grosso, Goiás; o agave não vem para competir aqui como a cana não vai competir no sertão”, declarou o executivo.
Em relação ao poder transformador econômico para a região, Breda afirmou que do ponto de vista logístico, não existe possibilidade do agave ser refinado em outras regiões do Brasil. Por isso, para explorar o potencial da planta é necessário a construção de biorrefinarias e de infraestruturas associadas à produção de biocombustíveis.
“Essa indústria de biomassa não dá pra você colher lá [sertão] e trazer a biomassa para o sudeste. Não tem como. Você tem que plantar lá e gerar uma nova indústria”, declarou Breda.
Desenvolvimento do projeto
O projeto Brave teve início em novembro de 2022 e é dividido em 3 etapas. A 1ª, denominada “Brave Bio”, é liderada pela Unicamp e tem como objetivo selecionar as melhores variedades de agave para a produção de biocombustíveis no Brasil.
A 2ª etapa, “Brave Mec”, é responsabilidade do Senai Cimatec e tem foco na mecanização da produção, desenvolvendo maquinários específicos para o plantio e colheita em grande escala. O objetivo é superar a falta de mecanização na cultura do agave.
A 3ª fase, “Brave Ind”, também está a cargo do Senai Cimatec. O objetivo nesta etapa é cuidar da industrialização dessa biomassa. Analisar os melhores processos de tratamento da planta, processos industriais, aproveitamento de resíduos e análises químicas. Ao todo, a Shell está investindo R$ 100 milhões ao longo de 5 anos.
Biomassa e Sustentabilidade
Em conversa com o Poder360, o coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp, Gonçalo Pereira, se aprofundou nas vantagens sustentáveis da biomassa do agave e no seu potencial revolucionário. De acordo com o especialista, o plantio do agave resolve a disputa que ocorre no sudeste, onde se debate sobre o plantio de matéria prima para biocombustíveis ou consumo alimentar.
“Como é a cana de açúcar no sudeste? É uma briga de foice pra ver quem planta cana, quem planta soja, quem planta trigo, quem planta milho, é uma guerra. Tanto que você vê que no exterior a maior crítica dos biocombustíveis é esse, a história do food x fuel [comida x combustível em inglês], mas quando você fala do agave acabou. É uma área que você não disputa com nada além da miséria”, declarou Pereira.
Durante a entrevista, Pereira compartilhou que está animado com a possibilidade de ver o sertão povoado de biorrefinarias. Segundo o pesquisador natural da Bahia, a instalação dessas unidades de produção trará também escolas técnicas e centros de pesquisa para a região. Embora o programa ainda esteja no início, Pereira afirmou que uma biorrefinaria piloto deve ser instalada no próximo ano.
“Um cronograma específico ainda está em preparação, mas eu acredito que em 1 ano será um bom número. Eu espero que no ano que vem, em 2024, a gente esteja inaugurando a 1ª biorrefinaria do sertão”, disse o pesquisador. A instalação da usina piloto também conta com o apoio da PetroBahia e da Casa dos Ventos.
Além de oferecer um produto de natureza econômica para o sertão, o pesquisador também afirma que o agave possui uma outra característica que pode beneficiar a região. Através do agave, também é possível produzir biochar, uma espécie de carvão orgânico que deixa o solo mais fértil e absorve grandes quantidades de carbono. “A gente vai muito além de produzir agave, a gente vai conseguir fazer um solo produtivo para qualquer coisa”, declarou Pereira.
Associação com energia eólica
Além de pensar no agave como o futuro da produção de biocombustíveis, Pereira chamou atenção para o potencial que essa nova indústria pode trazer à região se aliada a uma outra vantagem natural do sertão: as jazidas de vento.
Segundo Pereira, a Caatinga tem um potencial enorme para instalação de parques eólicos devido a sua formação geográfica que produz ventos fortíssimos. Para o pesquisador, as torres eólicas podem ser utilizadas para a produção de hidrogênio, que por sua vez pode ser combinado ao CO2 produzido nas biorrefinarias de etanol.
Essa integração seria capaz de produzir qualquer tipo de combustível e transformar para sempre a matriz energética da região e eliminar a necessidade da queima de petróleo.
“Se você juntar esse hidrogênio com o CO2 que advém da fermentação, se você mistura eles você produz qualquer combustível que você quiser. Qualquer um, o CO2 verde que veio da fermentação, que veio do agave, que pegou o CO2 da atmosfera, você junta com o hidrogênio que veio da eletrólise da água que veio com o vento e você produz por exemplo um óleo diesel, uma gasolina, o querosene de aviação, idênticos a moléculas do petróleo, mas de forma totalmente renovável”, concluiu Pereira.