Lula diz que não há espaço para negociação e rejeita "humilhação" de ligar para Trump

Publicado 06.08.2025, 15:45
Atualizado 06.08.2025, 17:30
© Reuters. Lula concede entrevista exclusiva à Reuters no Palácio da Alvoradan06/08/2025nREUTERS/Adriano Machado

Por Lisandra Paraguassu e Brad Haynes

BRASÍLIA (Reuters) - Com as tarifas dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros subindo para 50% nesta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro em uma entrevista à Reuters que não vê espaço para negociações diretas com o presidente dos EUA, Donald Trump.

O Brasil não pretende anunciar tarifas recíprocas e não vai desistir das negociações comerciais, disse Lula, mesmo admitindo que não há, no momento, interlocução.

No entanto, Lula não tem pressa e, por enquanto, nem mesmo intenção de ligar para Trump.

"Pode ter certeza de uma coisa: o dia que a minha intuição me disser que o Trump está disposto a conversar, eu não terei dúvida de ligar para ele. Mas hoje a minha intuição diz que ele não quer conversar. E eu não vou me humilhar", disse.

Apesar das exportações brasileiras enfrentarem uma das maiores tarifas impostas por Trump, as novas barreiras comerciais dos EUA não deverão causar prejuízos tão drásticos à maior economia da América Latina, o que garante ao presidente brasileiro mais fôlego para marcar uma posição mais dura contra o norte-americano do que a maioria dos líderes ocidentais.

"Se os Estados Unidos não querem comprar, nós vamos procurar outro para vender; se a China não quiser comprar, nós vamos procurar outro para vender. Se qualquer país que não quiser comprar, a gente não vai ficar chorando que não quer comprar, nós vamos procurar outros", disse, lembrando o quanto o comércio internacional do Brasil cresceu nas últimas décadas.

Lula disse não ter problemas pessoais com Trump, acrescentando que eles poderiam se encontrar na Assembleia Geral da ONU, no mês que vem, ou na cúpula climática da ONU em novembro no Brasil. Mas ele lembrou o histórico de Trump de repreender duramente convidados da Casa Branca, como o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy.

"O que Trump fez com Zelenskiy foi uma humilhação. Isso não é normal. O que Trump fez com Ramaphosa foi uma humilhação", disse Lula. "Um presidente não pode humilhar outro. Eu respeito a todos e exijo respeito."

Hoje, o comércio do Brasil com os Estados Unidos representa apenas 12% da balança comercial brasileira, contra quase 30% da China.

Lula descreveu as relações entre os EUA e o Brasil como no ponto mais baixo em 200 anos, depois que Trump vinculou a nova tarifa à sua exigência de fim do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo julgado por tentativa de golpe para permanecer no poder após a derrota na eleição de 2022.

Mas o Supremo Tribunal Federal (STF), que está julgando o caso contra Bolsonaro, "não se importa com o que Trump diz e nem deveria", disse Lula, acrescentando que Bolsonaro deveria enfrentar outro julgamento por provocar a intervenção de Trump, chamando o ex-presidente de "traidor da pátria".

"Essas atitudes antipolíticas, anticivilizatórias, é que colocam problemas numa relação, que antes não existia. Nós já tínhamos perdoado a intromissão dos Estados Unidos no golpe de 1964", disse. "Mas essa não é uma intromissão pequena, é o presidente da República dos Estados Unidos achando que pode ditar regras para um país soberano como o Brasil. É inadmissível."

Ao admitir que as negociações estão difíceis, o presidente disse que o foco de seu governo agora é nas medidas compensatórias para amortecer o impacto econômico das tarifas dos EUA na economia brasileira, mantendo ao mesmo tempo a responsabilidade fiscal.

"Nós vamos fazer aquilo que estiver no alcance da economia brasileira, mantendo a responsabilidade fiscal que nós estamos mantendo no governo. Vamos fazer o que for necessário", disse.

"Nós temos que criar condições de ajudar essas empresas. Nós temos a obrigação de cuidar da manutenção dos empregos das pessoas que trabalham nessas empresas. Nós temos a obrigação de ajudar essas empresas a procurar novos mercados para os produtos delas. E nós temos a preocupação de convencer os empresários americanos a brigarem com o presidente Trump para que possam flexibilizar", afirmou, sem dar detalhes das medidas que serão anunciadas ainda esta semana.

Lula deixou claro que o governo vai trabalhar no apoio às empresas brasileiras e, no futuro, pode tomar outras atitudes, para além da representação na Organização Mundial do Comércio (OMC) feita nesta quarta, mas garantiu que não imporá tarifas aos Estados Unidos.

"Não vou fazer porque eu não quero ter o mesmo comportamento do presidente Trump. Eu quero mostrar que quando um não quer, dois não brigam e eu não quero brigar com os Estados Unidos. Primeiro, porque a relação é muito civilizada. Segundo, porque eu tenho muita relação com o povo americano. Terceiro, porque eu tenho muita relação com os sindicatos americanos, uma relação histórica, muito antes do Trump fazer política. E eu quero manter essa relação e também não quero causar prejuízo aos trabalhadores americanos. É esse o sinal que eu quero dar."

O governo estuda medidas de retaliação aos Estados Unidos, mas não através de tarifas. Até agora, o que foi estudado, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters, é a chamada retaliação cruzada. Para compensar os prejuízos da indústria brasileira, o governo federal deixaria de repassar a empresas americanas royalties de produtos farmacêuticos e copyright da indústria cultural.

O presidente, no entanto, não confirmou essas alternativas e disse que é preciso muita cautela e paciência.

"Temos que ter muita cautela. A gente sabe que muitas vezes a pessoa morre afogada... porque começa a dar braçadas de forma precipitada e se cansa logo. Vamos agir como se ela tivesse caído numa piscina e nada de dar braçadas, vamos aprender a boiar para a gente sobreviver e quem sabe sair vivo dessa piscina", afirmou.

Nas articulações do presidente brasileiro entram, por exemplo, uma negociação com os Brics. Perguntado se há alguma negociação em andamento para uma resposta conjunta do bloco, no dia em a Índia passou a ser tarifada pelos Estados Unidos em mais 25%, além dos já previstos 35%, Lula respondeu: "Ainda não tem, mas vai ter."

Lembrando que ainda é presidente do bloco até dezembro, Lula afirmou que vai telefonar na quinta-feira para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e nos próximos dias para o presidente da China, Xi Jinping, e em seguida para os demais membros do bloco.

"Vou tentar fazer uma discussão com eles sobre como é que cada um está vendo sua situação, qual é a implicação que tem em cada país, para a gente poder tomar uma decisão. É importante lembrar que os Brics têm dez países no G20. No G7 tinha quatro Brics convidados", disse.

Lula afirmou ainda que conversará com a União Europeia, com quem o Mercosul fechou um acordo de livre comércio em dezembro, e com o Canadá, que pretende retomar as negociações com o bloco. Este mês, vai enviar um grupo de empresários com o vice-presidente Alckmin ao México, com que o Brasil conversa para ampliar um acordo bilateral.

"Podem ficar certos que eu vou conversar com todo mundo. Primeiro porque eu gosto de conversar. Se o Trump soubesse o quanto eu gosto de conversar, ele já tinha conversado comigo."

(Edição de Pedro Fonseca)

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