Investing.com - A surpreendente vitória da oposição argentina nas eleições primárias para a Presidência da República foi um dos fatores que levaram os investidores ao sentimento de aversão ao risco nos mercados acionários na sessão desta segunda-feira.
Além da falta de perspectiva para um acordo sino-americano que encerre a disputa comercial entre os dois países e a ameaça de uso da força pela China sobre manifestantes em Hong Kong, a vitória com ampla margem de Alberto Fernández sobre o atual presidente e candidato à reeleição Maurício Macri coloca a Argentina sob a perspectiva de um retorno a um passado caótico na ótica dos investidores, provocando uma forte desvalorização dos ativos argentinos, inclusive sua moeda nacional em relação ao dólar.
Confira abaixo os motivos pelo sentimento negativo à vitória da oposição e porque Macri, que venceu as eleições de quatro anos atrás prometendo corrigir as distorções da economia argentina com uma plataforma liberal, perdeu a simpatia do eleitorado argentino.
1) Por que o mercado teme uma vitória de Alberto Fernández?
Ao lado de Fernández como vice da chapa está a ex-presidente Cristina Kirchner, cuja política econômica é apontada por investidores como responsável pela fragilidade atual das contas externa e fiscal da Argentina, além de deixar uma inflação elevada consistente como herança. O governo Kirchner, de 2007 a 2015, foi marcado pelo intervencionismo, estatizações, subsídios e impostos sobre exportações agrícolas, prejudicando o orçamento público e desestimulando investimentos no agronegócio, um dos setores mais dinâmicos da economia do país.
Além disso, os resultados indicam que a oposição deve ficar com a maioria das duas Casas do Congresso, próximo do número de parlamentares necessários para realizar mudanças legislativas. Segundo o BTG Pactual (SA:BPAC11), a estimativa é que a chapa de Fernándes fique com 110 assentos na Câmara Baixa (129 é o quórum necessário) e 25 no Senado (o quórum é de 36).
2) Quais foram os efeitos imediatos à vitória da oposição no preço dos ativos argentinos?
O peso da Argentina despencou, enquanto as ações e os títulos caíram de uma forma não vista desde a crise de dívida externa em 2001, quando o governo argentino não honrou compromissos com investidores estrangeiros.
O peso encerrou em queda de 17,13%, a 53 pesos por dólar, depois de atingir mais cedo a mínima recorde de 65 por dólar. As perdas diminuíram após o Banco Central do país elevar a taxa de juros para 74% ao ano. Em relação ao real, o peso perdeu 15,81% e foi cotado a R$ 13,29.
As ações argentinas estavam entre as piores perdas no Nasdaq e a bolsa local Merval tinha queda de 30%. Os títulos de dívida do país desabaram.
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3) Há chances do presidente Macri reverter a provável derrota?
Fernández encerrou as eleições primárias com 48% dos votos válidos (excluindo brancos e nulos), contra 33% de Macri. A diferença de 15 pontos percentuais contrariou as pesquisas de opinião, que apontavam um empate entre os dois candidatos ou uma leve vantagem para Fernández.
O resultado coloca o candidato da oposição como favorito à vitória no primeiro turno, que será realizado em 27 de outubro. Pelas regras eleitorais argentinas, o vencedor no primeiro turno deve conquistar 45% dos votos válidos ou alcançar 40% e o segundo colocado ficar mais de 10 pontos percentuais atrás do vencedor.
O analista Tiago Savero, do Goldman Sachs, avalia que dificilmente Macri vai reverter a situação, pois a ampla participação do eleitorado nas eleições primárias limita a entrada de novos votantes em outubro, assim como a polarização política no país vizinho dificulta a conquista de eleitores da oposição.
Além disso, a forte desvalorização do peso argentino vai reverter o incipiente processo de declínio da inflação do país, o que deve prejudicar ainda mais a imagem do governo Macri, segundo o Goldman Sachs. Desta forma, as consequências do resultado das eleições de ontem vão também dificultar a busca de Macri pela reeleição.
4) Qual é o foco dos investidores agora?
Como os resultados devem ser praticamente irreversíveis, os investidores vão direcionar o foco para alguma pista de política econômica de um governo Fernández em vez de dar atenção a já conhecida retórica populista.
De acordo com o BTG Pactual (SA:BPAC11), o discurso de vitória de Fernández foi direcionado contra o sistema bancário, além da promessa de renegociar o pacote de "reserva" de US$ 57 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI) - cujo uso ocorre apenas em situações de emergência cambial. Fernández também defendeu a pequena e média empresa, assim como prometeu aumento no valor das pensões e promoção do estado de bem-estar.
Mesmo assim, houve movimentos de conciliação, afirmando que "não fará nenhuma loucura". De acordo com o BTG Pactual (SA:BPAC11), o sinal de moderação foi uma forma de evitar que a retórica anti-liberal deteriore o sentimento sobre os ativos argentinos para o início do seu eventual mandato.
5) E o Brasil com isso?
O sentimento do investidor ficou abalado pelo cenário internacional agravado pela crise no nosso vizinho e, principalmente, parceiro comercial.
Nos fundamentos, a Argentina é o nosso terceiro maior parceiro, atrás de China e Estados Unidos, e uma crise aprofundada nos hermanos tende a pressionar resultados de exportadoras brasileiras, especialmente no setor de peças e automotivo. No fim, uma crise em Buenos Aires afeta o lucro de empresas brasileiras, o que acaba sendo precificado nas bolsa.
E o ambiente também acaba sendo favorável para especuladores, que aproveitam para montar posições contra países como o Brasil e suas moedas locais.
O Ibovespa caiu 2% aos 101.915 pontos e o dólar foi aos R$ 3,986.