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IRB, Short Squeeze e Teoria dos Jogos: o Bom e Velho Dilema do Prisioneiro!

Publicado 05.02.2021, 09:38
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Olá, pessoal! Depois de um janeiro de férias, a coluna volta com força total. Lembro aos amigos e amigas que me acompanham que um novo artigo sai a cada duas semanas, sempre às sextas-feiras. Para quem quiser receber notificações e acompanhar o conteúdo que disponibilizo nas redes sociais, basta seguir o @carlosheitorcampani no Instagram e nas demais mídias sociais (inclusive, no Spotify (NYSE:SPOT) (SA:S1PO34) tenho uma série de podcasts com muita informação sobre educação financeira para ouvir quando, como e onde estiver).

Adianto que algumas das explicações abaixo serão óbvias para investidores experientes. Não obstante, prefiro explicar tudo com bastante clareza, pois entendo que muitos aqui estão iniciando e não sabem o que alguns podem considerar básico. Tenho o compromisso de levar educação financeira para todos e, com isso, preciso explicar o passo a passo para que qualquer investidor consiga me entender e aprender. Esse é o meu propósito!

O assunto mais comentado nessas duas últimas semanas no mercado financeiro foi o efeito dos minoritários sobre ações da GameStop (NYSE:GME), nos EUA, que se alastrou para o mercado da prata e, aqui na nossa bolsa, principalmente para ações do IRB (SA:IRBR3). Focando no caso brasileiro, grupos online foram criados com milhares de pessoas com o propósito de se unirem para não vender ações do IRB, a fim de pressionar o papel para o alto. Mas, o que isso tem a ver com teoria dos jogos? Venha comigo neste artigo!

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Primeiramente, é preciso entender a dinâmica do mercado da bolsa. Nela, os preços sobem ou descem de acordo com, respectivamente, as pressões de compra e venda em determinado ativo. Quanto mais pessoas querem comprar o ativo, mais ele subirá seu preço e o inverso, claro, também é verdadeiro. Para comprar uma ação é preciso ter o dinheiro e adquiri-la. Simples assim. Mas, na pressão vendedora, há algo que muitos iniciantes desconhecem.

Há dois tipos de vendedores de ações: o primeiro é naturalmente aqueles investidores que possuem as ações de determinada companhia e desejam vendê-las no mercado (tal como quando você resolve vender seu carro ou sua casa). Mas, há também aqueles que vendem ações sem possuí-las (algo que você não pode fazer no mercado automotivo ou imobiliário). Esse processo é chamado de venda a descoberto. O investidor que vende a descoberto um papel está apostando na queda do preço do mesmo para comprá-lo no futuro a um preço menor, obtendo lucro. Imagine que você venda a descoberto uma ação a R$ 100,00 hoje, assumindo, assim, o que no mercado chamamos de posição vendida. Amanhã, ela cai para R$ 85,00 e você compra a mesma ação. Note que sua posição final no papel voltou a ser nula, pois as operações se cancelaram. Entretanto, você obteve um lucro de R$ 15,00, pois gastou apenas R$ 85,00 para comprar algo vendido anteriormente a R$ 100,00.

Contudo, há um detalhe importante: para realizar vendas a descoberto, exige-se que você alugue as ações de quem as possui. Isto serve para dar segurança ao mercado. É como se você alugasse o meu carro, vendesse-o no mercado com a expectativa de recomprá-lo no futuro (a um preço mais baixo) para, então, me devolvê-lo. Para alugar determinada ação informe-se junto à sua corretora de como fazê-lo, bem como a respeito de valores e prazos de aluguel. Os valores de aluguel pagos dependem igualmente do mercado e variam diariamente. Quando uma ação está com forte pressão vendedora, em geral os aluguéis aumentam em quantidade e em valor.

Do lado de quem possui as ações e as aluga (no mercado, chamamos essa pessoa de doador), seu único interesse é realmente fazer uma renda extra com o dinheiro recebido pelo aluguel, porém paga-se IR como investimento de renda fixa, ou seja, 22,5% para aluguéis até 180 dias. Note que eventuais dividendos, juros sobre capital próprio, bonificações e tudo mais continuam pertencendo ao doador, à exceção do direito à participação e ao voto em assembleias de acionistas, que passam para a outra parte, chamada tomador. Além disso, claro, o doador perde o direito de vender as ações alugadas. Este é repassado para o tomador durante o período de aluguel.

Da parte do tomador, além da taxa de aluguel combinada, ele tem a obrigação de devolver o papel ao doador até (em contratos flexíveis, que são os de maior liquidez) ou na data estipulada, podendo nesta ocasião alugar novamente as ações nas condições de mercado à época. O tomador obriga-se ainda a manter bloqueado em conta margem um montante (financeiro ou em ativos líquidos) que cubra o risco da operação. Podemos concluir que o tomador possui apenas dois interesses ao alugar um papel: vendê-lo a descoberto no mercado para recomprá-lo no futuro (especulando que o papel sofrerá queda de preço) ou adquirir o direito de voto em eventual assembleia de acionista.

Apesar do segundo motivo ser plausível, ele é raro porque há outras maneiras de se adquirir o direito a voto e ainda muitas empresas têm o controle assegurado por acionista majoritário. Podemos assim trabalhar com a hipótese de que quem aluga um papel (como tomador) possui o objetivo claro de vendê-lo a descoberto e, portanto, especular contra ele. Para esses investidores, a venda a descoberto (passando obrigatoriamente pelo seu aluguel) é uma opção atraente e barata. Há ainda a alternativa via mercado de derivativos, mas nem sempre há liquidez disponível para grandes posições e nem todos os investidores operam neste mercado por sua maior complexidade.

Entretanto, como não existe “almoço grátis”, o vendedor a descoberto corre o risco do papel subir sua cotação e, então, ele realizar perdas que podem ser enormes. Na verdade, o potencial de perda para o vendedor a descoberto é infinito e é exatamente por esse motivo que se exige dele uma conta margem com montante capaz de honrar possíveis perdas. Na medida em que o papel sobe de valor, este investidor é “chamado na margem”, expressão utilizada para se referir à situação na qual ele está perdendo dinheiro no mercado. Então, a corretora o chama e exige que aumente o valor depositado como garantia de segurança em sua conta margem.

Caso um papel esteja sendo muito vendido a descoberto pelo mercado e ele comece a subir, os investidores vendidos começam a ser chamados na margem, podendo chegar ao limite no qual a maioria deles não tem como honrar e precisará, então, desfazer suas posições recomprando o papel (pode acontecer o mesmo com fundos que atingem o limite da posição de risco estabelecida em suas políticas de investimento). Mas, quando esses vendedores passam a comprar o papel, isso significa que grande parte da pressão vendedora passa a ser agora pressão compradora, gerando um enorme desequilíbrio em prol do buy side. A consequência natural é o book de vendas ser exaurido, gerando uma acentuada subida de preços por haver muitos compradores obrigados a desfazer suas posições em um ambiente com escassez de vendedores. Esse movimento é precisamente o que chamamos de short squeeze.

E o que a teoria dos jogos tem a ver com tudo isso? O dilema dos prisioneiros, provavelmente o exemplo mais utilizado dessa teoria, apresenta o seguinte problema a dois investigados pela polícia (Paulo e Pedro) que, por hipótese, realmente cometeram um crime, mas com provas ainda frágeis onde apenas um pode comprovar fidedignamente a participação do outro. Caso um deles dê provas e incrimine o outro sem este denunciá-lo, ele será liberado por acordo de delação premiada e o acusado será preso por 10 anos. Agora se ambos denunciarem, o acordo cai por haver provas fortes contra os dois e, pela coparticipação no crime, eles pegam oito anos de cadeia. Por último, caso nenhum deles incrimine seu colega, por conta de provas muito frágeis, eles pegam apenas um ano de prisão. Paulo e Pedro, claro, têm acesso um ao outro e podem combinar a melhor estratégia.

Note que o melhor para ambos é não confessar, pois assim cada um fica apenas um ano na cadeia, num total de dois anos presos em conjunto. Entretanto, cada um pode pensar em obter um resultado ainda melhor para si, denunciando o colega na expectativa de que este não o denunciará, livrando-se assim da cadeia. Mas, da mesma forma, o outro pode pensar igual e ainda ficar com medo de pegar o pior cenário individual possível: 10 anos de cadeia. O equilíbrio de Nash aponta o cenário onde ambos denunciarão, pegando 8 anos de cadeia, num cenário absolutamente pior para ambos, pois caso não denunciassem, pegariam apenas um ano cada.

No caso de uma ação como a do IRB, em que muitos investidores graúdos e fundos apostavam (ou ainda apostam) na queda, é possível notar que muitos deles utilizavam de ações alugadas para pressionarem vendas e a queda do preço do papel (outros atuavam via derivativos). O interessante é que quem dá esta munição para os vendidos é exatamente quem sai perdendo, ou seja, quem está comprado no papel. Há um claro paralelo com o dilema do prisioneiro aqui: cada investidor, acreditando que é pequeno o suficiente e que esta “munição” seja pouca para fazer o papel cair e na ânsia de ganhar a taxa de aluguel, acaba permitido a venda a descoberto de suas ações por terceiros, almejando assim o ganho máximo individual. Quando esses investidores se unem via redes sociais, fazendo um pacto de não alugarem suas ações (e até combinam comprar mais), caso esse pacto seja honrado, aumentam-se as chances de um short squeeze no mercado, ou seja, corre-se para o melhor cenário possível para o conjunto de investidores comprados no papel. Resumindo, somente um acordo fiel faria Paulo e Pedro não denunciarem um ao outro, atingindo assim a resolução ideal do dilema dos prisioneiros: foi o que os minoritários fizeram (ou, ao menos, tentaram fazer aqui e lá fora).

Enfim, a teoria dos jogos é fascinante e nos ajuda a interpretar diversas situações do dia a dia, tendo aplicações diretas na regulação de mercados, em políticas públicas etc. Ela analisa, inclusive, situações nas quais os participantes podem se aliar e combinar estratégias, tal como o que ocorreu com a Gamestop e com o IRB. Por fim, mas não menos importante, meu intuito aqui foi explicar toda a situação de forma absolutamente didática, sem absolutamente entrar no mérito da discussão se esse pacto entre investidores comprados é legal ou indica manipulação de mercado. Deixo este ponto para a CVM, instituição altamente competente e com tal responsabilidade.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.

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