Tudo começou com Deng Xiaoping naquela famosa frase “enriquecer é glorioso”, após assumir o poder da República Popular da China em 1976. Desde então, nestes 36 anos de importantes transformações, principalmente, na área econômica, o país mudou internamente alterou o tabuleiro econômico mundial.
De uma economia fechada, estatizada e pouco diversificada na década de 70, com resquícios da Revolução Cultural dos anos 60, a China se transformou numa potência emergente, sustentada por um crescimento médio de 10% anuais, segundo maior PIB do globo (US$ 8,3 trilhões), só superado pelos EUA e um nível de reservas cambiais em torno de US$ 3,3 trilhões (dados de agosto passado).
Importante ressaltar que estas transformações ocorreram muito mais no front econômico, num lento, mas seguro processo de abertura econômica, comercial e financeira, mas no político muito ainda precisa acontecer.
O país ainda mantém um hardware soviético, com alternâncias de poder limitadas a um colegiado de burocratas do partido, tanto no Comitê Central, como no Politiburo, numa cópia fiel da Rússia de passado recente (ex-URSS). Se a plutocracia chinesa abriu a economia, se aproximando das regras do capitalismo de mercado, continuou fechado politicamente, numa ditadura de partido único, sem liberdade e transparência.
Enquanto se manteve num exuberante ritmo de crescimento, foi possível abafar possíveis tensões sociais ou políticas - lembremos-nos dos protestos estudantis na Praça da Paz Celestial em 1989. Mas agora, no momento que se acomoda num ritmo menor de crescimento, com a demanda mais fraca da Zona do Euro, a indagação é saber como realizar uma transição política suave, para um regime mais democrático e arejado, sem solavancos, no mesmo ritmo seguro e controlado da economia.
Difícil responder neste momento de conturbada crise mundial. Mas, como tudo na burocracia chinesa, com grande pragmatismo, paciência e focado em objetivos de longo prazo, acreditamos que passos iniciais podem estar sendo dados, após a ascensão de Xi Jimping, oficializado no poder por ocasião do 18º Congresso do Partido Comunista Chinês, dia 8/11.
Discursos dos dirigentes comunistas neste evento indicam que profundas transformações no modelo de crescimento do país estão para acontecer.
Modelo este, antes mais voltado para exportações de baixo valor agregado e alta competitividade, e investimentos em infraestrutura, e agora, visando mais o mercado de consumo interno, a construção civil e as exportações de alto valor agregado - para isto, vem se transformando no segundo maior em investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em torno de 2,3% do PIB.
Sobre esta estratégia de longo prazo, observa-se um ciclo de crescimento desacelerando suavemente, no chamado soft landing. Pela tabela a seguir, a China, depois de crescer cerca de 10%, na média, entre 1995 e 2010, está crescendo 9% entre 2011 e 2015, desacelerando a 7% entre 2016 e 2020, e 5% entre 2026 e 2030.
Claro que a crise na Zona do Euro, maior mercado de exportações da China, está afetando este ritmo de crescimento, visto que o PIB do terceiro trimestre desacelerou a 7,5%, antecipando o período de 2016/20, mas isto vem sendo acompanhado de forma estreita pelos burocratas chinesas, muito focados em objetivos de longo prazo.
Somado a isto, este crescimento, numa primeira avaliação, menor, deve ser relativizado, pois reflete uma base de comparação alta, com volume de US$ 8,3 trilhões, num considerável avanço quando vistos cinco anos atrás (US$ 2,3 trilhões).
Pela tabela a seguir, corrobora-se para este modelo de crescimento mais focado no consumo, a partir do processo de urbanização em curso e o surgimento de uma nova classe média, exigente dos seus direitos e dos bens que deseja consumir. Cálculos da Brooking Institution indicam que a 520 milhões de pessoas devem ascender à classe média até 2021.
Isto representará uma perda de participação do setor agrícola no mercado de trabalho passando de 38%, entre 1995 para 2010, para 13% em 2030; além de uma transferência de recursos poupados, menos para os investimentos, mais para o mercado interno e o consumo. Os investimentos, de 46% do PIB, devem recuar a 34% em 2030 e o consumo interno passar de 49% para 66%, à exemplo de grandes players internacionais como EUA e Japão.
Para isto, é objetivo triplicar a renda per capita até 2030, saindo dos atuais US$ 6 mil, metade da brasileira, para cerca de US$ 16 mil.
Será um desafio, então, avançar em profundas reformas estruturais, como na rede de proteção social e na oferta de mais serviços públicos, como saneamento, educação básica e saúde.
O regime previdenciário, por exemplo, existe há mais de 20 anos, mas ainda é privilégio de poucos. Isto ajuda a explicar a preferência da população em poupar, diante da inexistência de um cinturão de proteção social. O chinês médio prefere guardar para o futuro em vez de consumir, o que nos ajuda a entender o porquê da fraqueza do consumo interno.
É fato que a China ainda precisa encontrar alternativas para reduzir seus contrastes sociais e econômicos. Em Pequim, a renda per capita vem melhorando, em torno de US$ 10 mil, mas na zona rural não passa de US$ 3 mil anuais. Isto coloca o país próximo do Equador e o Timor Leste. Sendo assim, devem evitar a chamada “armadilha da renda média”. Isto acontece quando o não consegue mais competir com outros de mão de obra mais barata, nem alcançar o estágio de avanço tecnológico das nações mais avançadas.
Para isto, uma série de propostas no Plano Qüinqüenal de 2011/15 incluem importante salto tecnológico em áreas prioritárias como energia alternativa, biociência, novos materiais, proteção ambiental, carros elétricos, etc, inclusão do consumo no mercado, absorver os fluxos migratórios para as grandes cidades, etc...
É o esforço da China em tentar dar um grande salto para frente, chegando no patamar de renda dos países ricos, competindo com produtos de alto valor agregado, como da Coréia do Sul e Japão. Para isto, parques tecnológicos estão sendo construídos e uma grande mobilidade e empresas ocorrendo para variados mercados, além de um forte investimento em capital humano, com muitos jovens nas melhores universidades da Europa e dos EUA.
Na relação dos chineses com o Brasil, esta estratégia mais voltada para o mercado interno não deixa de ser alvissareira, por significar que eles devem continuar demandando nossos produtos. Na nossa pauta comercial, a China é o principal destino, 80% concentrado em produtos básicos, com minério de ferro (30% para a China), soja e petróleo, dentre outros. Estimativas indicam que a China será o maior demandador de alimentos do mundo.
Isto nos colocar na dependência do desempenho deles. Se eles mantiverem o mesmo ritmo de crescimento, isto será bom para o Brasil, caso contrário...