A atividade de auditoria é essencial para garantir a transparência e a eficiência das informações financeiras de uma empresa de capital aberta (negociada em Bolsa de Valores). Caso contrário, terceiros teriam extrema dificuldade para acreditar nos números financeiros de uma empresa aberta. No entanto, a auditoria também pode ser suscetível a fraudes. Isso ocorre porque os auditores podem ser influenciados por pressões externas, como a expectativa de receber uma promoção ou a ameaça de perder o contrato com a empresa auditada. Tendo em vista que o custo da auditoria é pago pela auditada existe um grande conflito de interesse entre a auditoria e a auditada. Além disso, podem ocorrer outros conflitos de interesse quando o auditor tem conexões com a empresa auditada. Por isso, é importante que os auditores sigam rigorosamente as normas éticas e tenham independência em relação à empresa auditada, o que é difícil na prática.
A auditoria, portanto, é uma atividade essencial para o funcionamento de uma sociedade capitalista estável. Imagine que um banco ou um investidor tenha que se certificar de todos os dados econômicos e financeiros de uma empresa antes de conceder crédito ou realizar um investimento. Isso teria consequências extremamente negativas em todo o sistema financeiro e produtivo, aumentando o custo do crédito e diminuindo o capital alocado a setores produtivos da economia. Porém, as recentes crises de confiança que as empresas de auditoria vêm enfrentando pelo mundo trazem uma dúvida na confiabilidade dos dados financeiros auditados, e se eles realmente representam a realidade econômico-financeira das empresas.
No Reino Unido, a PwC foi multada em cerca de R$ 45 milhões (reduzida a cerca de R$ 34 milhões pela cooperação da empresa), por falhas na auditoria da empresa Babcock International (LON:BAB) nos anos de 2017 e 2018. O Financial Reporting Council (FRC), órgão regulador do Reino Unido, avaliou que a empresa de auditoria falhou por diversas vezes em exigir da administração da empresa informações para avaliação da contabilização de diversas operações. O tamanho da fraude foi verificado em abril de 2021 quando a empresa teve de reconhecer um write-off da ordem de R$ 11 bilhões.
Esse parece ser um cenário que guarda semelhança com o que ocorreu com a PwC no caso das Americanas (BVMF:AMER3) no Brasil. Ao que tudo indica, as operações de risco sacado da empresa não foram contabilizadas corretamente, o que deveria ter sido verificado no curso da auditoria. É de se ressaltar que não é papel da empresa de auditoria avaliar se existem fraudes na empresa, mas sim de confirmar que as demonstrações financeiras representam a realidade econômico-financeira da auditada, o que no caso das Lojas Americanas (BVMF:LAME4) com certeza não representavam.
Outro exemplo negativo é a falência da Arthur Andersen, uma das maiores empresas de contabilidade do mundo, que foi um marco na história das empresas de auditoria e da ética corporativa. Em 2002, a empresa foi acusada de destruir documentos relacionados à auditoria da Enron, uma gigante de energia que acabou falindo em meio a um escândalo financeiro. A Arthur Andersen foi condenada por obstrução da justiça e perdeu seu registro como empresa de auditoria. A reputação da empresa ficou seriamente prejudicada, levando à perda de inúmeros clientes, a demissão de milhares de funcionários e, consequentemente, à sua falência.
Todos esses escândalos podem tornar bancos e investidores mais céticos quanto aos balanços de empresas, aumentando, assim, o custo de capital. Adicionalmente, mesmo que as empresas sejam penalizadas, isso só geraria um mercado ainda mais concentrado de auditoria. A falência da Arthur Andersen foi muito negativa para o mercado de auditoria, pois cada vez que o número de players é reduzido, menores são os incentivos para as empresas de auditoria serem mais criteriosas, pois existe uma menor concorrência. Porém, não se pode também chegar ao outro extremo, tornando as Big 4 em “too big to fail”.
Isso só demonstra a necessidade de que haja mais regulação da atividade de auditoria, com punições severas, especialmente para os indivíduos que falharem com os seus deveres e normas ético-profissionais. No caso da Babcock International, dois sócios da PwC, Nicholas Campbell Lambert e Heather Ancient, foram multados em cerca de R$ 1 milhão e R$ 400 mil, respectivamente. Venho observando recentemente uma grande procura de cursos sobre compliance, governança e fraudes tanto no Brasil quanto no exterior, o que indica que esse tema está muito em voga no cenário global.
A auditoria independente muitas vezes não tem a sua independência garantida, devido aos conflitos de interesses já citados. Enquanto esse problema não for resolvido todos os investidores, e consequentemente, a sociedade como um todo, irá sofrer com as consequências de auditorias de baixa qualidade.
*Doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, e Contador. Professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ. Foi consultor do Banco Mundial, e Professor Assistente de Contabilidade da FAF/UERJ.