Estamos vivendo tempos estranhos, em que 24 horas perecem 24 dias.
Ontem mesmo escrevi que não tinha certeza se o reconhecimento de Donald Trump de que os EUA poderiam entrar em recessão por causa do coronavírus ajudaria o ouro em sua condição de porto seguro, já que dois cortes de juros no país em duas semanas não haviam ajudado em nada o metal amarelo.
Mas os eventos das últimas 24 horas me fizeram refletir se não seria melhor reconsiderar essa visão.
Isso porque, na terça-feira (17), o presidente dos Estados Unidos disparou uma rajada de estímulos econômicos para combater a pandemia. A maior delas era uma ogiva de injeção de capital de US$ 1 trilhão, a fim de eliminar as forças deletérias da doença à economia, antes que ela vitimasse mais empresas e empregos no país.
Breve repique antes de voltar ao vermelho
Em resposta ao estímulo de Trump, os metais preciosos, incluindo o ouro, a prata e o paládio, abriram em alta no pregão asiático desta quarta-feira (18), ao lado de metais de base, como o cobre e o alumínio, no que parecia ser o maior rali em uma semana. Mas, após um breve repique, os metais voltaram a afundar no mar vermelho no final da tarde em Cingapura.
O bom desempenho do ouro na terça-feira, após o anúncio dessas medidas pelo governo Trump, fez com que alguns analistas achassem que o pior já havia passado para o metal amarelo, que se desvalorizou 9% na semana passada, maior queda em uma semana desde 1983.
Uma semana depois de atingir a máxima de sete anos a US$ 1.704,30 no dia 9 de março, os futuros do ouro chegaram perto da mínima de oito meses a US$ 1.450,90.
Mas, na terça-feira, os futuros do ouro na COMEX saíram de -1% e fecharam em alta de 3,5% em Nova York, o primeiro fechamento positivo em seis dias. O metal também retomou o patamar de US$ 1.500 por onça, que foi essencial para a confiança dos investidores.
“Você provavelmente verá uma ação de preços mais construtiva em direção a pelo menos US$ 1.600 e quem sabe além disso”, afirmou Ed Moya, analista sênior de mercado da plataforma online de negociação OANDA, após o triunfo do ouro na terça-feira.
Moya baseou sua análise na resposta fiscal esperada do governo Trump nos próximos meses, a qual, segundo ele, fornecerá “o catalisador necessário para acabar com a fraqueza recente no ouro, que viu sua condição de porto seguro se dissipar na busca de caixa”.
Mas o que foi que o governo americano anunciou?
Uma injeção de US$ 1 trilhão
As medidas de estímulo apresentadas por Steve Mnuchin, secretário do Tesouro americano, em uma coletiva de imprensa com Trump, incluíam:
- Uma entidade de fins específicos criada pelo Federal Reserve para dar suporte ao mercado de títulos comerciais com até US$ 1 trilhão e evitar uma crise de caixa no mercado de crédito.
- Um pacote estimado em US$ 850 bilhões, que está sendo negociado com os democratas no congresso, para ajudar a economia a continuar gastando, se for atingida por uma recessão.
- Prorrogação de pagamentos de impostos de cerca de US$ 300 bilhões destinados ao Serviço de Receita Interna para famílias e empresas americanas.
- Cheques no correio de todos os americanos nas próximas duas semanas até meados de abril.
Como se não bastasse, o Federal Reserve já cortou os juros nos EUA em 1,25 ponto percentual nas últimas duas semanas, reduzindo a taxa para quase zero.
Nuvens negras ainda pairam sobre o mercado
Apesar de alguns tons de rosa, ainda há nuvens negras pairando sobre a economia.
Uma delas surgiu a partir do alerta de Mnuchin – que teria sido feito a portas fechadas a senadores republicanos do partido de Trump – de que o coronavírus poderia aumentar o desemprego nos EUA para impressionantes 20% em relação à mínima de 50 anos de 3,6%.
Embora a Bloomberg tenha dito que o secretário do Tesouro usou essa argumentação para convencer os membros do partido a apoiarem as custosas soluções de resgate para a pandemia, seu vazamento, no entanto, reverberou em alguns investidores como rescaldo dos anúncios de estímulo.
Isso provavelmente explica por que os futuros do índice Dow Jones se desvalorizaram mais de 830 pontos, ou 4%, após o pregão regular na Ásia. A queda indica um retorno do índice mais amplo de Wall Street ao território negativo quando as negociações abrirem em Nova York mais tarde. A semana tem sido angustiante para o Dow, que sofreu sua pior queda de 3.000 pontos, ou 13%, na segunda-feira antes do repique de 5% na terça-feira.
Os mercados asiáticos também estavam sem direção única nesta quarta-feira pela manhã, com Tóquio exibindo melhor desempenho do que seus pares regionais após os dados mostrarem que as exportações do país haviam caído menos do que o previsto no mês passado.
Ao contrário da sua correlação geralmente inversa, as ações e o ouro apresentaram movimentos na mesma direção este ano durante o crash desencadeado pela pandemia.
Em razão do valor relativo do ouro – que está estável no ano enquanto o Dow já caiu 25% – o metal amarelo se tornou o “caixa eletrônico” dos investidores que sofreram perdas ou precisaram aumentar as margens para cobrir as ações. A superliquidez do ouro se tornou, ao mesmo tempo, uma dádiva e uma maldição para o metal, já que ele passou a ser alvo de vendas até nas menores correções.
Com base na ação dos gráficos, neste momento está havendo um luta de última hora entre a pandemia e o estímulo.
No longo prazo, os “mísseis” monetários lançado por Trump podem fazer com que o ouro entre na órbita das máximas históricas de US$ 1.900.
Mas, no curto prazo, os futuros do metal na COMEX ainda podem estar vulneráveis a um reteste das mínimas de julho a US$ 1.424 e, até mesmo, expostos a uma queda ainda maior, até a mínima de junho a US$ 1.361,10.
Considerando a posição atual do mercado, a primeira defesa está a menos de US$ 100 de distância. Após a queda de quase US$ 200 na semana passada, que atingiu o ritmo de um elevador em queda livre, tudo indica que os US$ 1.400 também teriam uma defesa fraca no ouro.