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Sérgio Vale: Reforma tributária seria vitória histórica para governo eleito

Publicado 23.12.2022, 16:06
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Por Jessica Bahia Melo

Investing.com – Com a perspectiva de troca de mandato no governo federal nos próximos dias, o Investing.com realizou uma série de entrevistas exclusivas com economistas, que apontaram suas visões para a economia brasileira no ano que vem. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, foi o quinto e último especialista entrevistado.

Ele avalia que a reforma tributária e a definição do novo arcabouço fiscal serão os dois grandes temas para a economia brasileira em 2023. Segundo Vale, a equipe montada no governo eleito tende a focar mais na arrecadação do que em estratégias para fomentar um maior controle de gastos.

A MB Associados projeta um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1% no ano que vem, taxa de juros caindo de 13,75% para 12%, inflação em 5,3% (ainda acima do limite superior da meta de 3,25%) e câmbio entre R$5,25 e R$5,30 para o dólar.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

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Investing.com Qual foi avaliação sobre os nomes indicados em ministérios nas áreas econômicas?

Sérgio Vale – O conjunto do que foi apresentado até agora tem claramente um caráter mais à esquerda no pensamento econômico, especialmente alguns pontos que são importantes em alguns lugares que havia a preocupação maior, como o BNDES, com o (ex-ministro da Casa Civil Aloizio) Mercadante, e a Secretaria de Política Econômica que foi anunciada com Guilherme Mello. É uma equipe que está sendo montada – o mesmo vale em relação ao (ex-prefeito de São Paulo Fernando) Haddad -, pensando mais em arrecadação.

Em tudo que o Haddad fala, a preocupação quando ele fala de melhorar o perfil fiscal, de controlar a dívida, passa por melhorar a arrecadação, a melhora na estimativa de crescimento das receitas fiscais no ano que vem, passar um pente fino na arrecadação para fazer quem está devendo pagar mais, o que é importante, deve ser um foco de atenção.

Isso não é o suficiente! É preciso olhar a estrutura de gastos que é de fato o elemento central de preocupação hoje. O gasto público subiu com muita força, a PEC da regra do teto segurou um pouco esse crescimento forte nos gastos, mas hoje há a retirada desse teto para colocar alguma outra regra que a gente não sabe. E a equipe econômica que está sendo formada é uma que tem menos desejos de fazer uma regra fiscal que olhe com força na questão dos gastos e pensa com muito mais força em como aumentar a arrecadação para compensar esse aumento de despesas que está sendo feito agora.

Isso é de fato preocupante, olhando para a frente. Olhando para os próximos quatro anos, acredito que vamos para um caminho de carga tributária maior.

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Inv.com – E como avalia a nomeação do vice-presidente Geraldo Alckmin para a pasta da Indústria e Comércio?

Vale – O nome do Alckmin é positivo, é uma posição complicada porque ele é vice-presidente. Como se demite um vice-presidente? Tem toda essa dificuldade também. Mas certamente é bem visto pelo mercado porque o BNDES também vai estar atrelado ao Ministério da Indústria e Comércio.

Vamos ter um cenário interessante: de um lado o Alckmin, sendo o "coordenador-geral", e o Mercadante, que juntou uma diretoria bastante interessante, com nomes muito bons de mercado, a Natália Dias e a Luciana Costa são dois nomes muito fortes que estão na diretoria que vêm do mercado financeiro e que vão ter um papel bastante relevante e pró-mercado no sentido positivo. É possível blindar um pouco o BNDES nesse sentido com essas escolhas.

Agora o Alckmin estará focado nas questões da pasta dele, que é a política industrial, inovação. As questões fiscais, que talvez lá atrás era um foco de atenção do Alckmin, não vão ser mais. Esse tema estará atrelado essencialmente ao Ministério da Fazenda, talvez um pouco mais de Planejamento e Gestão, mas essencialmente ao Ministério da Fazenda.

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Inv.com – Quais os principais desafios econômicos do governo eleito?

Vale – Acho que uma parte positiva com o nome do Bernard Appy, um dos secretários que foram escolhidos, é justamente pensar a reforma tributária. Acho que a reforma tributária está madura, tem boas propostas e uma boa vontade especialmente de estados e municípios para isso acontecer.

Talvez tenha dificuldade nos setores, especialmente a agropecuária e serviços, para a PEC 45 acontecer. O Appy tem um papel importante de convencer a sociedade e esses setores de que, no curto prazo, pode ter perdas, mas no médio e longo prazo, os ganhos de simplificação do sistema tributário brasileiro são enormes. A própria agricultura e o próprio setor de serviços vão ser ganhadores no futuro em termos dessa simplificação que vai valer para todo mundo.

O Appy tem bons argumentos, acho que ele vai conseguir fazer esse trabalho de convencimento. Espero que o governo avance com a PEC como está lá. Acho que seria um erro pensar em fazer a reforma do Imposto de Renda antes, aumentar a alíquota superior, lucros e dividendos. Avalio que é uma questão relevante, mas não há uma proposta pronta nesse sentido.

Eu avançaria com a PEC 45 que tramita hoje, talvez juntando com a PEC 110 do Senado, mas avançando com o que já existe, trabalhando em cima dela e, depois, num segundo momento, pensando no Imposto de Renda. Eu acho que nessa questão tributária, temos bons caminhos para avançar e acho que pode acontecer.

Outra reforma importante é a administrativa, mas enxergo dificuldades, porque ela mexe essencialmente, até mais do que a previdenciária, no servidor público. E tem uma dificuldade de um governo como o do PT de fazer uma reforma que mexa nesse segmento a essa altura. Depois de tantos anos de falta de reajuste, de tudo que aconteceu, a impressão de que essa é uma reforma que definitivamente não vai acontecer nos próximos anos, mas que poderia ajudar muito na estrutura de gastos.

As duas grandes reformas então devem ser a tributária e o arcabouço fiscal, que deve entrar em discussão logo no começo do ano.

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Inv.com – Durante a campanha eleitoral, o Lula criticou bastante a reforma trabalhista e a chamada “pejotização”. Na sua visão, há possibilidade de revisão deste tema?

Vale – Eu espero que não. A reforma trabalhista foi muito falada em várias frentes no governo eleito no passado, em revisões, em mexer em algumas partes da reforma trabalhista e espero que não seja foco de atenção agora. Porque esse período de seis meses é um período nobre que a gente tem politicamente para fazer reformas de profundidade. Já há duas grandes reformas que vão demandar um grande esforço. Uma delas é o novo arcabouço fiscal, que já tem até uma questão negativa que saiu da PEC da Transição, pois ela deixou de ser constitucional para ser uma lei ordinária, o que legalmente enfraquece o novo arcabouço fiscal que vem pela frente. Mas, de certa forma, nesse primeiro momento, facilita a aprovação.

Mas, a reforma tributária por si só vai ser uma reforma que, por mais que esteja avançada, vai demandar um esforço muito grande do governo como um todo para convencer a sociedade, para trabalhar com os estados e municípios para que ela avance. Se o governo conseguir fazer a reforma tributária, vai ser um ganho histórico.

E como teve reformas que foram feitas em governos passados, que foram importantes de cada governo, pensando no Bolsonaro a reforma da previdência, pensando Temer, o teto dos gastos, a reforma da previdência mesmo que pequena no início do governo Lula em 2023, acho que a tributária pode ser a reforma que pode marcar positivamente o governo Lula. Mas precisa ser o foco de atenção agora.

Perder tempo em discutir trabalhista e outras coisas não é positivo e produtivo, porque a reforma funcionou. Na reforma trabalhista, diversos estudos têm mostrado que ela ajudou no crescimento do emprego ao longo dos últimos anos. Então, acho que não tem muito sentido fazer grandes mudanças agora e talvez pensar em um grupo de estudos de fato grande na estrutura de reforma trabalhista para pontualmente mexer umas coisas. Mas avalio que é preciso deixar esse tema para depois e discutir com quem entende de fato para não perder o que foi feito até agora, que foi extremamente positivo.

Inv.com – Também foi falado bastante em campanha a respeito de uma política de valorização do salário-mínimo. Quais são os impactos na economia?

Vale – O salário-mínimo é uma questão preocupante porque o Lula de fato vai fazer uma política de valorização do mínimo, como ele fez no passado. Então, a gente precisa estar preparado. Mas, como vai ser feito esse aumento? Vamos pensar em média de crescimento no passado? É uma solução paliativa e de curto prazo, é preciso pensar em alternativas, pensar talvez o salário-mínimo vinculado a algum cálculo de crescimento de produtividade.

Além disso, é preciso pensar o impacto na previdência. Toda vez que há um forte aumento do salário-mínimo, o governo impacta o sistema previdenciário brasileiro, porque a maior parte do sistema previdenciário está atrelado ao salário-mínimo.

Se houver aumento muito forte, piora o perfil previdenciário no futuro, vai matando aos poucos a reforma da previdência que foi feita anteriormente. Então, acho que precisa ter muito cuidado com essa vinculação. Não é simplesmente dar aumentos reais significativos nos próximos anos, há uma implicação econômica de como fazer isso de uma forma correta e tem uma implicação fiscal que é um impacto na previdência, em um momento que não tem espaço fiscal grande para fazer esse tipo de gasto, pelo contrário.

Então eu sei que é um desejo do governo, foi muito falado durante a eleição, provavelmente vai acontecer alguma coisa nesse sentido, mas preocupa também como esses aumentos devem ocorrer e como encaixar dentro da regra fiscal que vem pela frente.

Inv.com – Qual o cenário para a política monetária no ano que vem?

Vale – Entre as preocupações, está a evolução do cenário da política fiscal do Ministério da Fazenda e a relação com o Banco Central, que já aponta que com a PEC da Transição, com gastos excessivamente maiores do que se imaginava, assim como um crescimento que neste momento está acima do potencial e gera pressões inflacionárias.

Assim, esse risco institucional do ponto de vista fiscal coloca uma pressão em cima do Banco Central também. Começamos a ver essas discussões do Banco Central de que talvez tenha que subir a taxa de juros, o que era uma questão impensável até um pouco tempo atrás.

Ainda, dois diretores devem sair em fevereiro. Qual vai ser o papel do Ministério da Fazenda? O Haddad já falou que quer ter alguma posição nesse sentido, na indicação de nomes. Precisamos entender qual será a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), que se reúne em junho do ano que vem para discutir meta de inflação.

O Banco Central está blindado por conta da lei de independência do Banco Central, mas tem questões que envolvem a política monetária que chegam de fora, da política fiscal. Por isso, precisamos prestar atenção principalmente nos primeiros seis meses do ano que vem.

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