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EUA: Recessão será no resultado das empresas, diz gestora

Publicado 01.02.2023, 06:24
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Por Leandro Manzoni

Investing.com - O mercado internacional de ações foi impactado ano passado por importantes mudanças de variáveis com implicações duradouras para esse e os próximos anos. Essa análise sucinta dá o pontapé inicial à “Carta aos Investidores” da Atmosphere Capital, gestora brasileira de recursos com foco global, que tem atualmente R$ 83 milhões sob gestão e meta de R$ 500 milhões até o fim do ano.

Sob a preocupação dos investidores com o crescimento global e risco de recessão em um ambiente de inflação elevada, extensão dos efeitos da pandemia vigente, da lenta recuperação do setor imobiliário chinês, mudanças geopolíticas com o conflito na Ucrânia e uma política monetária de acelerado aperto monetário do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Felipe Mattar, CIO da Atmosphere, avalia que esse cenário é interessante para fundos com gestão mais ativa.

“São anos de maior flexibilidade, enquanto em posições mais direcionais acabam trazendo um risco-retorno um pouco interessante”, afirma o gestor em entrevista ao Investing.com, contrapondo a gestões de fundos cuja performance está atrelada à variação de índices.

Mattar acrescenta que a melhor estratégia para mercado de ações em 2023 é o stock picking, com busca por empresas que não estão expostas a riscos macroeconômicos e setoriais relacionados a uma atividade econômica reduzida em meio a uma persistente pressão inflacionária.

“Existirá uma recessão de resultados das empresas”, prossegue o gestor, cuja perspectiva para o PIB dos EUA em 2023 varia entre uma leve recessão cíclica na economia dos EUA e um crescimento baixo em 0,5%.

O gestor da Atmosphere também aponta que há oportunidades interessantes para quem opera em posições vendidas devido a um mercado ainda em potencial correção (entre -10% e -19%). Mas, alerta que a elevada volatilidade limita os benefícios de risco-retorno e recomenda moderação.

VEJA: Cotação em tempo real das ações dos EUA no pré-mercado

Confira abaixo a entrevista completa:

Investing.com: Pouso suave ou recessão: o que vai acontecer com a economia dos Estados Unidos em 2023?

Felipe Mattar: A Atmosphere trabalha com cenário de crescimento baixo ou próximo do nulo, com potencial recessão cíclica em um ou dois trimestres.

A premissa do nosso posicionamento é de que existirá uma recessão de resultados das empresas, mesmo sob um cenário de crescimento econômico muito baixo (por volta de +0,5%), nulo ou de leve retração (-0,5%). Ainda há um descasamento da pressão inflacionária nos custos e da pressão, em geral, de receita mais baixa devido à atividade econômica menor.

Uma recessão pode mudar esse panorama, com um crescimento muito abaixo do nulo. Os impactos nos resultados das empresas poderiam, dessa forma, ser mais severos do que observamos hoje.

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Inv.com: Quais fatores pressionam os custos das empresas?

FM: Há 3 grandes principais fatores de pressão de custos. O primeiro é, sem dúvida, a pressão de custos no mercado de trabalho.

O segundo está ainda em processo de normalização da cadeia de suprimentos. Mesmo que o cenário recessivo pressione certos materiais básicos (commodities), há um atraso na cadeia de fornecimento, com um efeito de lag inflacionário que vai continuar.

E há, em certa medida, a pressão do próprio aumento da taxa de juros, elevando os custos financeiros das empresas que tem compromissos de rolagem de dívida.

Inv.com: Esse é um quadro de armadilha para o Fed, que pode ter uma atuação maior do que o esperado atualmente pelo mercado?

FM: O mercado está hoje comprando bem mais a posição de aperto monetário do Fed. Há poucas dúvidas de elevação da taxa de juros curta vão para algo em torno de 5% ou 5,5%.

Não dá para categorizar de que não existe risco de taxa de juro ir além deste patamar, mas é pouco provável. O ajuste do Fed vai passar a ser por quanto tempo os juros vão ficar neste patamar restritivo do que de elevar muito mais a taxa.

O que está precificado hoje no juro de 10 anos é que o Fed terá razoável sucesso ao ancorar a expectativa da inflação para 2% no intervalo de 10 anos.

Por outro lado, o mercado já precifica nenhuma redução de juros em 2023. O pivô que todo mundo fala vai demorar.

Inv.com: Quando a taxa de juros chega ao pico?

FM: O patamar de 5,3%, 5,5% deve ser atingido até março. Na pior das hipóteses, mas pouco provável, na metade do ano.

O Fed tende a atingir esse nível de juros nas 2 próximas reuniões [a próxima nesta quarta-feira, 1/2].

Inv.com: Por quanto tempo as taxas vão ficar nesse patamar?

FM: O risco aqui é o período de manutenção das taxas em ambiente restritivo. O Fed já sinalizou: “não tem por que eu esticar mais a corda na taxa, porém meu ajuste vai manter a taxa nesse patamar até que se consiga ter uma maior visibilidade de que os preços estão indo na direção de uma inflação de 2%”. A Atmosphere trabalha, então, com o ambiente de inflação e juros mais altos por mais tempo.

Além disso, o consumidor e as empresas americanas estão muito saudáveis do ponto de vista de endividamento, portanto são menos sensíveis em relação à taxa de juro curta no financiamentos imobiliário, que corresponde a 80% de todo o financiamento da família americana.

Vale mencionar que, atualmente, a estrutura do financiamento imobiliário dos Estados Unidos é de taxas fixas desde a crise de 2008. Por isso, a tendência é que as taxas de juros fiquem nesse patamar por bastante tempo.

Inv.com: Quando deve começar uma reversão dos juros?

FM: O mercado precifica hoje o início de uma reversão para o 1º ou 2º trimestre de 2024. É preciso, obviamente, monitorar os sinais de redução de atividade, de consumo, e a própria inflação de trabalho. Consideramos razoável a reversão mais no 2º trimestre do que no 1º, mas o risco está mais por uma extensão ao longo de 2024 inteiro do que a uma antecipação do pivô.

Quando o mercado incorporar de que não haverá mais aumento de juros e que o Fed vai trabalhar por um ano com as taxas nesse patamar, o mercado estará totalmente precificado, se já não o está.

Inv.com: Quais são os impactos no mercado de ações?

FM: Toda a discussão do mercado de ações agora, na nossa opinião, é sobre o período de acomodação dos resultados das empresas a esse cenário de menor atividade e descasamento inflacionário. Quando isso se normaliza, vai ser precificado e conhecido pelo mercado para que continue o jogo como sempre foi.

O ajuste vai ser cíclico. A saúde financeira das empresas e do consumidor americanos é uma das melhores em 40 anos, ou seja, crises de crédito como vimos no passado estão muito longe de serem considerados no cenário.

2023 ainda é um ano interessante de acomodação, de volatilidade grande no qual gestões ativas passam a ficar interessante, como foi em 2022.

Inv.com: O cenário da Atmosphere está alinhado a de alguns bancos americanos que preveem uma queda no índice nos primeiros meses do ano para depois haver uma subida?

FM: Sim! Como somos um fundo que monta posições long e short, estamos hoje posicionados em alfa. Para se ter uma ideia, o beta do meu portfólio é muito próximo de zero.

Porque tem uma acomodação, um movimento drástico de contração de margem que o mercado tende a subestimar até que sejam efetivados nos resultados das empresas e nos guidances.

Achamos que tem um ajuste que vai ser principalmente liderado pela expectativa de resultados menores e isso tende a levar a um ajuste no índice.

Inv.com: A posição do fundo no curto prazo é short?

FM: Estamos com uma posição mais neutra porque o risco-retorno não compensa. A volatilidade é geralmente grande em mercados com essa característica, pois ficam mais técnicos e menos fundamentalistas. São movimentos mais táticos, de ajuste de curto prazo.

Nós neutralizamos, por isso, esse movimento no portfólio e estamos com posições compradas ou vendidas, respectivamente, em empresas e setores específicos que acreditamos que se beneficiem ou sofrem mais neste ambiente de compressão de margem e menor atividade.

Inv.com: Quais são os setores mais beneficiados e prejudicados com esse cenário?

FM: Estamos evitando os setores que são mais sensíveis à redução da atividade econômica, com pouco ou nenhum poder de repasse de preço para sua cadeia de custos.

Vou dar alguns exemplos: o setor de refino de petróleo, o siderúrgico, o de metais industriais e de algumas pontas da cadeia industrial. São posições que, no geral, estamos vendidos.

Como avaliamos setores e muitas vezes dentro de setores específicos, onde tem empresas que seguem mais ou menos esta dinâmica, estamos vendidos nos setores que têm uma alavancagem operacional maior nesse cenário.

Na ponta oposta, estamos comprados nas empresas e setores que são inelásticos a esses movimentos, entre os quais o de tecnologia industrial, energia limpa, defesa, tecnologia militar, infraestrutura, logística agrícola, tratamento de resíduos. Ou seja, são cadeias que ainda estão sub ofertadas, com uma demanda muito grande e que são menos sensíveis ao cenário descrito.

Setores de infraestrutura, por exemplo, estão entrando em ciclos de investimentos longos, reagindo aos pacotes e ações de governos nos Estados Unidos e na Europa para a transição energética, internalização da cadeia de suprimentos, otimização e ganho de produtividade.

Inv.com: 2023 seria um ano novamente de ações de valor ou teria algum espaço para ações de crescimento?

FM: Nós somos nichados em certos setores, na cadeia industrial, em infraestrutura, commodities, de energia e economia circular (resíduos e energia limpa).

Conseguimos fazer posições de crescimento ou de valor dentro dessas cadeias. Classificamos as ações de crescimento em uma questão de duration de fluxo de caixa.

Aqui há hidrogênio verde, hidrogênio azul, equipamento de energia limpa, bateria elétrica, tecnologia industrial. São investimentos atuais para conversão em caixa em 2, 5, 10, 15 anos. Quanto maior a duration, mais história de crescimento.

Como o movimento do juro longo, em sua grande maioria, já foi, é hora de voltar a olhar para os setores de crescimento, mas não naqueles que devem levantar capital nos próximos anos em um cenário de aumento considerável de custo de capital.

Estamos em empresas que estão em conversão de fluxo de caixa negativo para positivo nos próximos 2 anos ou aquelas que estão vindo de caixa neutro ou muito baixo para um caixa relevante nos próximos 2, 3 anos.

Resumindo, estamos comprados em crescimento de médio prazo e vendido em crescimento de longo prazo.

Inv.com: Quais são os riscos relevantes para 2023?

FM: O risco mais relevante para o meu portfólio seria de um mercado de pouso suave, ou seja, ao invés de os EUA crescerem 0,5%, sua economia cresça 1,5%.

É difícil acreditar, porém, que esse cenário aconteça sem o Fed falar: “o controle inflacionário está muito pior do que se imaginava. Vou ter que puxar mais forte o freio de mão”.

Caso haja uma surpresa positiva em 2023, pode se contratar uma situação pior em 2024, pois vai demandar uma política mais agressiva para o controle inflacionário.

Este é o risco para a forma de como eu posiciono.

É um cenário semelhante à atuação do Fed em 2021 e início de 2022, que foi demasiadamente leniente falando que a inflação era transitória. E, quando descobriu que não era, teve que fazer um ajuste muito maior do que se tivesse começado a fazer em meados de 2021.

Enquanto este cenário persistir e o Fed não reagir rápido, maior é o tamanho do ajuste para se fazer posteriormente. Isso é um risco que monitoro. Se for nessa direção, vou ter que repensar o meu portfólio e ficar mais agressivo em beta.

Inv.com: E em relação a uma recessão?

FM: Tampouco tem sinais claros de que vai acontecer. Caso aconteça, significa que o efeito do aperto será muito maior do que se espera em atividade. Neste cenário, pode ocorrer ajustes nos resultados das empresas da ordem de 25%, 30%. O que pode acontecer aqui é eu ir para uma posição com um pouco mais de convicção no risco. Retorno no short bias a esse cenário se desenha.

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