Arena do Pavini - O nervosismo voltou a tomar conta do mercado de ações americano em meio ao receio de que os juros subam mais e mais depressa que o esperado e que os bancos centrais enxuguem a liquidez dada aos bancos nos últimos anos, não só nos Estados Unidos, como também na Europa. O Índice Dow Jones fechou em queda de 4,1%, perdendo mais 1.032 pontos, para fechar em 23.860 pontos, zerando os ganhos no ano e passando a perder 3,47% em 2018. Repetiu-se hoje o enredo de segunda-feira, quando o índice começou a cair e acelerou as perdas no fim do dia, para 4,7%, movimento atribuído aos robôs que zeram automaticamente as posições dos investidores a partir de determinado percentual de perdas e que acabam por ampliar o movimento de baixa. Há também o movimento dos investidores que são obrigados a aumentar as garantias dadas para operar no mercado, já que em muitos casos essas garantias são ações, que perderam valor.
S&P cai 3,75% e Nasdaq, 3,90%
O Standard & Poor’s 500, principal índice do mercado americano e do mundo, perdeu 3,75% no dia e já recua 3,46% no ano. O Nasdaq caiu 3,90%, e perde 1,83% no ano. O movimento também se estendeu à Europa, onde o índice regional Euro Stoxx 50 perdeu 2,24%, o DAX, da Alemanha, 2,62%, o CAC, de Paris, 1,98%, e o Financial Times, de Londres, 1,49%. O nervosismo contaminou ainda o mercado de commodities, com o petróleo negociado em Nova York caindo 1%, para US$ 61,15 o barril, um dos preços mais baixos do ano.
Ibovespa cai 1,5% e dólar sobe
No Brasil, o Índice Bovespa caiu 1,48%, para 81.532 pontos, ainda perto da máxima do dia, de 83.500 pontos. Novamente, o movimento de queda dos mercados se acentuou no fim do dia, como na segunda-feira, quando o Dow Jones caiu 4,7%. O dólar no Brasil sofreu o impacto do nervosismo externo e subiu 0,12%, para R$ 3,28 para venda no mercado comercial. O dólar turismo subiu 1,76%, para R$ 3,46 para venda. Já o indicador de risco do Brasil no exterior, o CDS, fechou hoje em 1,64 ponto percentual, ante 1,41 ponto na semana passada. Os estrangeiros tiraram R$ 1,9 bilhão da B3 neste mês, reduzindo o acumulado no ano para um saldo positivo em R$ 7,6 bilhões.
Movimento de correção após 10 anos
Mas a tendência é que o Ibovespa comece o dia já em baixa, ajustando-se à queda do Dow Jones depois do fechamento, afirma Pablo Stipanicic Spyer, diretor de Operações da coreana Mirae Asset. As quedas iniciadas na sexta-feira da semana passada, após a divulgação de criação de empregos e aumento de renda acima do esperado, são vistas pelo mercado como um movimento de correção depois de quase 10 anos de alta ininterrupta do mercado americano, afirma Spyer. As declarações de Janet Yellen ao deixar a presidência do Federal Reserve (Fed, banco central americano) na sexta-feira, que esperava mais quatro altas, uma a mais que o mercado, ajudou a elevar os juros e o receio dos investidores. “Tudo reflete a expectativa de alta dos juros”, diz Spyer, lembrando que, hoje, o presidente do Banco da Inglaterra também mostrou preocupação com o crescimento do país. “São quase 10 anos de alta das bolsas americanas depois da crise de 2008 e de juros perto de zero ou negativos, além de 8 anos em que os bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e Japão passaram injetando recursos no mercado”, justifica.
Ibovespa não chega aos 110 mil
Segundo ele, os bancos centrais imprimiram mais de US$ 4 trilhões que foram, em grande parte, para as bolsas. E agora, com as economias voltando a crescer, esse dinheiro deverá voltar para os bancos centrais. Spyer diz que o mercado começa a se convencer que a bolsa vai cair mais, o que provoca um movimento de busca de proteção e saída das bolsas. E a bolsa brasileira não vai escapar dos efeitos da queda no exterior. “Eu discordo de quem acha que o Ibovespa vai para 110 mil, e muito menos de quem fala em 160 mil pontos”, acrescenta. “Para o Brasil, a situação é mais delicada, pois a janela de liquidez abundante que nos dá tempo para aprovar as reformas da Previdência e outras para ajustar o déficit fiscal está se fechando”, afirma.
Ajuste está só começando
O ajuste das bolsas americanas está só começando, afirma Ivan Kraiser, sócio da gestora Garin Investimentos. “Se pegarmos um gráfico de 10 anos, essa queda desta semana nem aparece”, diz, observando que mesmo com três dias de fortes quedas – sexta-feira, segunda e hoje -, o Dow Jones ainda está perto dos 24 mil pontos. “O mundo mudou, e temos uma correção boa ainda pela frente, não vai ser um movimento só de um dia”, alerta. Para ele, o topo do mercado, ou seja, o pico, já foi formado, e agora resta saber até onde irá a queda. “Acho que o Dow deve voltar para uns 22 mil pontos”, estima.
Alavancagem vai pagar preço alto
Ele lembra que o juro baixo e a grande liquidez favoreceram muitas operações alavancadas, de compra de ações e outros ativos com crédito barato, e essas operações começarão agora a ser desfeitas, derrubando ainda mais o mercado. “Temos também muitos exemplos de irresponsabilidade, como os fundos que apostavam na queda da volatilidade, que ficou nos menores níveis durante anos e agora explodiu e levou junto essas carteiras”, diz. Ele se referia a fundos que especulavam com o índice VIX, que acompanha a volatilidade das opções do índice S&P 500 na Bolsa de Chicago, e que saltou de US$ 17 na semana passada para US$ 37 na segunda, recuando depois para US$ 27 ontem e voltando para US$ 34 hoje. Segundo ele, a correção dos mercados virá, mesmo que os fundamentos da economia sigam positivos. “A bolsa antecipa os movimentos e subiu quando a economia estava indo mal, como no Brasil no ano passado”, diz.
Fundamentos ainda são bons
O movimento de baixa das bolsas não muda, porém, o cenário macro, de crescimento mundial, afirma José Pena, economista chefe da Porto Seguro (SA:PSSA3) Investimentos. “Continuo vendo um cenário mundial extremamente benigno, vários indicadores nas máximas pós crise, semelhantes aos de antes de 2008”, diz, dando o exemplo dos dados de exportação da China e da Alemanha, que vieram muito robustos. “São duas máquinas exportadoras e esse desempenho só reforça o ambiente bem favorável para economia mundial”, afirma. “E favorece também a expansão de lucros e um cenário ainda favorável para bolsas”, acrescenta. O que não quer dizer que processo seja linear ou sem flutuações, avalia o economista. “Esta semana, mostrou que risco existe, e que o ambiente de volatilidade extremamente baixa dos últimos anos pode estar no fim.”
Mercado subestima alta dos juros americanos
Pena alerta que os mercados subestimam o potencial de elevação de juros do Fed nos próximos dois anos. As estimativas são de até quatro altas precificadas até o fim de 2019, quando o próprio Fed aponta para cinco ou seis altas. “Eu acho que podemos ter de sete a oito elevações de 0,25 ponto percentual”, diz. Esse movimento, além de mexer com os mercados, deve afetar também a economia brasileira. “Teremos aqui a retomada da atividade reduzindo a capacidade ociosa e o hiato do produto e a surpresa no ritmo e na intensidade dos juros lá fora”, diz. Com isso, é possível que os juros do Brasil tenham de subir mais e cedo, o que quer dizer que o crescimento mais acelerado da economia brasileira está longe de estar garantido no médio e longo prazos.
Volatilidade baixa aumentou especulação na bolsa
As bolsas mundiais começaram o ano “cantando pneu”, com o índice global de ações MSCI subindo 5,5% no mês, apesar de os juros estarem subindo nos EUA, explica Marcelo Faria, gestor de renda variável da Porto Seguro Investimentos. “E o Brasil foi destaque, com alta de 15% em dólar”, diz. A explicação é que a alta dos juros ocorria pelo motivo correto, que era o fato de a economia mundial estar forte, o que justificada a subida.
Faria acredita que o pano de fundo do cenário externo segue o mesmo, de crescimento da economia mundial, e é isso que tem influenciado mais a bolsa brasileira. “Mas a aceleração dos preços foi muito rápida e levou o investidor a ter medo e reduzir posições, resultando em realizações abruptas que culminaram na forte queda de 4,7% do Dow Jones na segunda-feira”, explica. Para ele, o que ocorreu foi que a baixa volatilidade dos mercados nos últimos anos e os ganhos constantes provocaram uma leniência do mercado que exagerou nas compras e agora está ajustando suas posições. “Mas ao se desfazer dessas posições o mercado exagera no movimento”, diz. Para ele, a forte queda é mais um movimento técnico do que ligado a fundamentos. “Foi como um congestionamento provocado no mercado pela baixa volatilidade”, diz. Mas ainda assim, é uma correção. “É um sinal de alerta, mas uma correção no ritmo de alta, porque o crescimento de lucros e atividade ainda são favoráveis e os bancos centrais ainda estão dispostos a retirar a liquidez mundial de maneira coordenada.”
Por Arena do Pavini