Por Jessica Bahia Melo
Investing.com – Ainda que a meta de inflação do ano passado não tenha sido cumprida e a expectativa é de que não seja novamente neste ano, os agentes do mercado estimam manutenção da taxa de juros brasileira em 13,75%. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne a partir de terça-feira, 31, com a divulgação da decisão sobre a taxa Selic na quarta-feira, 01. Uma situação fiscal indefinida acende um alerta para a política monetária e ainda é cedo para falar em cortes, na visão de especialistas consultados pelo Investing.com Brasil.
Na visão de Mauricio Oreng, economista do Santander (BVMF:SANB11), os juros devem ser mantidos em 13,75%. “Não há muita discussão. A tendência é que o Banco Central continue com a estratégia que já está operando, com estabilidade de juros por tempo prolongado até que haja uma segurança de fato de que a inflação vai convergir para o centro da meta”. O Santander avalia que os cortes devem iniciar no segundo semestre, alcançando 12% ao final do ano. O banco também projeta inflação de 5,6% este ano, mas esse indicador poderia ir a quase 6%, a depender da situação fiscal.
Oreng acredita que o foco dessa reunião deve ser o balanço de riscos. “Os riscos estão mais altos em função dos estímulos fiscais, as expectativas estão em alta, começando a refletir até no longo prazo. O cenário parece mais arriscado e seria importante a comunicação do BC refletir essa evolução”.
José Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos e economista certificado da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros), concorda que a Selic deve ser mantida. “Acredito que o comunicado vai mostrar bastante preocupação, porque ainda não há solução para a situação fiscal”. Júnior completa que permeiam dúvidas sobre o futuro da composição do Comitê, que deve passar por alterações. “Esse é o último Copom com todos os diretores nomeados no governo Bolsonaro. O próximo terá dois nomeados pelo governo Lula”.
Fabricio Silvestre, economista do TC, também projeta que a taxa deve ser mantida, pelo menos até o quarto trimestre. “Se ainda não tem o arcabouço fiscal, acreditamos que o Banco Central deve acompanhar os efeitos da política monetária com alguma cautela. A possibilidade da queda deve estar de acordo com a credibilidade desse arcabouço”, reforça.
O Itaú BBA, que espera uma Selic no mesmo patamar, avalia que o Copom deve sinalizar uma postura vigilante da política monetária, “a fim de perseverar no processo de desinflação até que a convergência às metas e ancoragem das expectativas em torno de suas metas sejam alcançadas, e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, conforme apontou em relatório divulgado aos clientes e ao mercado.
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Meta para 2023
O ano ainda é marcado pela continuidade da Guerra da Ucrânia, que causou forte impacto em commodities agrícolas e de petróleo. Outros fatores geopolíticos ainda podem afetar a economia mundial, como a reorganização de cadeias produtivas consideradas estratégicas, o que acende um alerta para a inflação.
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Último Boletim Focus divulgado pelo Banco Central nesta segunda-feira, 30, mostra que os economistas consultados subiram as expectativas para a inflação em 2023 de 5,48% para 5,74%, enquanto o centro da meta é de 3,25%, com 1,5 ponto percentual de tolerância, ou limite superior de 4,75%.
Mesmo que a meta não seja cumprida, os economistas divergem se ela deveria ou não ser alterada para uma mais factível. Se a meta for alterada, haveria um espaço para juros menos restritivos em 2023, na visão de Júnior, mas poderia causar uma deterioração das expectativas e aumento nos prêmios de risco nos títulos públicos. “E é por isso que o juro de longo prazo está subindo, a curva está inclinando”, alerta.
Para o TC, a meta atual deve ser mantida, pois rever um critério já definido não deve gerar o resultado esperado, que seria permitir um crescimento econômico maior. “O saldo de uma mudança na meta para este ano é um aumento de incerteza em momento de transição de arcabouço fiscal”.
Uma meta irrealista muito baixa e horizonte de um ano torna o cumprimento mais difícil, segundo Daniel Vasconcelos, professor de economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Se a meta é muito baixa e o Banco Central começa a perceber que não vai cumprir a meta, a tendência é de que ele eleve muito a taxa de juros, e já estamos com um patamar bastante elevado, o que significa que a economia como um todo acaba penalizada por um excesso de rigor”, critica Vasconcelos.
No ano passado, além de o mundo começar uma recuperação lenta e gradual após impactos mais severos da economia causados pela pandemia, afetando cadeias globais de valor, houve um efeito do início do conflito na Ucrânia, levando a altas nos preços, lembra o professor. “Não era uma questão doméstica, mas sim exógena. E o Banco Central brasileiro respondeu elevando a taxa de juros para tentar controlar a inflação, sendo que parte significativa dessa elevação carregava esse componente externo, que a elevação de juros não vai conseguir evitar”, completa. Preços administrados, principalmente combustíveis e energia, seguem como pontos de atenção.